‘Contrabando legislativo’ livra bancos de punição por dano ambiental
Thursday, 01 de June de 2017Um dispositivo inserido, sem alarde, na Medida Provisória (MP) 752 pelo Congresso livra de punição bancos públicos e privados que investirem em atividades que provoquem danos ambientais, como o desmatamento ilegal, a não ser quando comprovada a culpa ou intenção.
O artigo 35 da MP é considerado um “jabuti” ou “contrabando legislativo”, pois não tem relação com o propósito original da medida. Ela dispõe sobre contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração federal. A MP 752, agora Projeto de Lei de Conversão (PLV) 3/2017, foi aprovada, no início de maio, pelo Congresso. A Presidência pode sancionar ou vetar a norma qualquer momento.
Segundo fonte do governo que acompanha o tema, o “jabuti” foi incluído por pressão da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
O ISA, Conectas, Greenpeace e Amigos da Terra protocolaram nota técnica na Presidência da República exigindo veto ao dispositivo. O Ibama também produziu uma nota pedindo o veto presidencial ao artigo “jabuti”.
“Em termos da legislação ambiental, é um precedente grave. Da forma como está lá, [a MP] fere um princípio importante do direito ambiental, que é a responsabilidade objetiva pelo dano ambiental”, afirma Suely Araújo, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Responsabilidade objetiva significa que a responsabilização por prejuízos ao meio ambiente não depende de questões subjetivas, como a intenção ou culpa. Esse entendimento é previsto na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e na própria Constituição.
Em outubro, o Ibama multou o banco Santander em R$ 47,5 milhões por causa de um empréstimo feito para um plantio de soja e milho em áreas multadas e embargadas na Amazônia.
Araújo acrescenta que, caso sancionado, o dispositivo deve aumentar as dificuldades para a fiscalização ambiental. “Na hora que você começa a amenizar a responsabilidade de um lado, a tendência é reduzir o grau de controle. Dificulta a fiscalização do desmatamento e outros ilícitos”, conclui.
“Trata-se do primeiro precedente, desde 1981, de exceção ao sistema de responsabilidade socioambiental. Uma medida perigosíssima, aprovada na calada da noite, sem qualquer debate legislativo. O STF já proibiu o contrabando legislativo, mas o lobby dos bancos parece não se importar com a Constituição”, alerta Maurício Guetta, advogado do ISA
A medida vai na contramão também de convenções e compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil, como os Princípios da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e os Princípios do Equador. Estes últimos são assumidos pelas próprias instituições financeiras e estabelecem critérios mínimos para a concessão de crédito, para a garantia de que atividades financiadas sejam desenvolvidas de forma social e ambientalmente responsável.
Sem a responsabilização das instituições financeiras, a tendência é que aumente o financiamento público e privado para atividades prejudiciais ao meio ambiente no país e, consequentemente, o número destas atividades e da degradação a elas associada.
“É um contrassenso. Você vai ter de um lado o Estado gastando dinheiro com o Ibama para fiscalizar e, do outro, o mesmo Estado dando dinheiro para alguém cometer crime ambiental ou causar dano”, critica o procurador da República Daniel Azeredo.