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O texto do secretário executivo do ISA, André Villas Bôas, sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, foi publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, no dia 21 de dezembro de 2013. Veja abaixo
Um exemplo de inadimplência socioambiental
Carro-chefe do PAC e instalada em uma região da Amazônia com ausência histórica do Estado, Belo Monte é símbolo de inadimplência socioambiental. Obrigações do Poder Público e da Norte Energia tem sido sistematicamente descumpridas. Apesar da obra estar sendo planejada há 30 anos, a região atingida para receber a terceira maior hidrelétrica do mundo não recebeu os investimentos e ações necessários para mitigar e compensar de maneira adequada seus impactos.
O mais caro e polêmico empreendimento do país chegou em 2013 ao pico de sua própria contradição. Praticamente 50% da usina está pronta, mas o mesmo não pode ser dito das obrigações socioambientais que deveriam acompanhá-las, cujo descumprimento, verificado pelo Ibama e Funai, não consegue se traduzir em ações corretivas para mudar o rumo da obra. As mais graves sanções administrativas não passaram de algumas multas em valores irrisórios para um empreendimento orçado em quase R$ 30 bilhões.
Temas sensíveis à Amazônia têm sido tratados com o maior descaso. Desmatamento, populações ribeirinhas e povos indígenas, sendo esses últimos os que sofrem as mais graves inadimplências.
Antes de promover investimentos estruturados para mitigação e compensação dos impactos, cem milhões de reais foram gastos em quinquilharias consumistas para cooptar lideranças, em um padrão clientelista de relacionamento inaceitável. Os programas de prevenção ou diminuição dos impactos relacionados à saúde indígena e à integridade de seus territórios, pressionados pelo aumento de renda e população trazidos à região pela obra, não saíram até hoje do papel, apesar de sua implantação ter sido prevista para antes do início da construção.A taxa de mortalidade infantil indígena em Altamira é quatro vezes superior à média nacional.
Se a usina estiver pronta antes do aterro e do sistema de esgoto entrarem em pleno funcionamento, obras atrasadas em dois anos, a parte do rio Xingu que envolve Altamira ficará contaminada, afetando a população da cidade.
Na última quarta feira, em decisão unânime, a Justiça ordenou parar a construção da usina até que fossem atendidas plenamente as obrigações socioambientais prometidas quando da licença ambiental. Diversas vezes o governo conseguiu derrubar a paralização da obra usando uma medida judicial criada à época da ditadura, a Suspensão de Segurança, que se baseia no argumento de que o cronograma da obra é mais relevante que os direitos das populações atingidas. Isso dá à empresa a sensação de estar acima das leis estabelecidas no país simplesmente por tocar uma obra considerada “estratégica”.
O empreendimento esbarra em grave conflito de interesses. A União tem participação acionária de 50% na Norte Energia, a obra é financiada 80% pelo BNDES, vigiada permanentemente por 90 homens da Força Nacional de Segurança e defendida judicialmente pela AGU. Paradoxalmente é fiscalizada pelo Ibama, órgão de governo.
Não existe nenhuma instância de controle social efetivo e nem mecanismo independente de fiscalização das obras em execução. Esta blindagem é um vicio de origem da implementação de obras de infraestrutura, dentre as quais Belo Monte se destaca, pela forma que foi imposta à sociedade brasileira sem oitivas aos povos indígenas e com audiências publicas meramente formais, para inglês ver.
A somatória de erros de Belo Monte não pode se repetir na Amazônia. A ausência de planejamento socioambiental responsável e respeito às instituições democráticas vão na contra mão de qualquer projeto de desenvolvimento sustentável para a região.