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Bioeconomia ou necroeconomia?

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Nurit Bensusan, especialista em Biodiversidade do ISA

O ano foi ruim, não há dúvidas. A destruição desenhada e desejada por muitos habitou florestas, terras indígenas, unidades de conservação, cerrados, terras de quilombo e nossos corpos e corações. Desmatamento recorde; povos indígenas e comunidades locais desrespeitadas e afrontadas, quando não ameaçadas e assassinadas; garimpo avançando floresta adentro e o desmonte do arcabouço de fiscalização e controle, tanto no âmbito legal quanto no operacional, deixam poucas dúvidas sobre para onde seguimos.

Em meio às ruínas, floresce o discurso da bioeconomia, como uma solução, como um caminho possível. Mas essas flores trazem mais do mesmo, e consequentemente mais destruição, ou podem se tornar, de fato, uma seara diferente, passível de nos conduzir a um cenário menos catastrófico?

No cerne dos debates sobre a bioeconomia estão as definições: o que é bioeconomia? Qualquer processo produtivo ligado a algum elemento da natureza? Ou a algum elemento vivo da natureza? Ela abarca o agronegócio, por exemplo?

O fato de haver ainda tantas discussões sobre as definições de bioeconomia revela um território em disputa que parece contrapor mais do mesmo, fantasiado de novo, com outras possibilidades, sobre as quais há pouca clareza.

Talvez o prefixo “bio” da palavra bioeconomia, que quer dizer vida, traga mais confusão do que compreensão para o conceito. Quando se imagina que bioeconomia é apenas a economia dos recursos naturais, do pau-brasil à soja, predatória, insensível, colonial, não há novidade. Permanecemos no século XVII. Se a bioeconomia é aquela que usa povos da floresta como mão-de-obra barata, semiespecializada e semiescravizada, apenas para desmatar, poluir, contaminar e despejar todos seus impactos negativos sobre os outros agentes da sociedade, nada feito. Seguimos no mundo colonial.

Mas... e se? E se o prefixo “bio” fosse a ponta de lança para uma economia que respeita vidas. Ao invés da velha economia predatória dos recursos naturais, uma nova economia que se constrói coletivamente, com a pluralidade de formas de vida, reinventando relações, arranjos produtivos e futuros? Tal cenário, porém, só acontecerá se caminharmos, como sociedade, como espécie talvez, para um mundo onde uma economia que desmata, polui as águas, contamina os solos, desloca pessoas, destrói modos de vida, acelera a crise climática e cozinha pandemias passe a ser considerada inaceitável. Ou seja, é fundamental construir uma ética da inaceitabilidade.

É dessa ética, e da ideia que o conhecimento dos povos indígenas e das comunidades locais é um corpo autônomo de conhecimento, que opera segundo uma lógica distinta da nossa ciência, com profundas raízes nos territórios onde viceja, de fundamental importância para qualquer economia da vida, que novos caminhos poderão se abrir. Para tanto, é preciso conceber, construir, pensar coletivamente. É necessário criar espaços onde os saberes dessas populações dialoguem em condições de igualdade com o conhecimento científico, sem que seja considerado subsidiário ou subalterno. É fundamental que se estabeleçam parcerias equitativas para novos arranjos produtivos, esses, sim, talvez a semente da bioeconomia.

Se “bio” deixar de se referir ao que será explorado e passar a tratar do que será valorizado e gerado, a bioeconomia poderá ser a resposta para muitas das questões que assolam o país, desde a chegada dos europeus na América. Se não for assim, será a mesma necroeconomia nossa de casa dia...

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