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Comunidade caiçara se mobiliza em defesa de seu território

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O assassinato do jovem caiçara Jaison há pouco mais de um mês levou a Associação de Moradores de Trindade (Amot), comunidade localizada em Paraty, no litoral sul fluminense, a lutar por seus direitos e a denunciar as ameaças que vêm sofrendo. Leia o texto do diretor de comunicação da Amot, Davi Paiva, no qual ele relata essa história

O crime da manhã de 2 de junho contra um jovem caiçara em Trindade, acordou a comunidade na luta por seus direitos e pela permanência no território ancestral em que vivem há pelo menos cinco gerações. Jaison e o irmão estavam em área de lavoura quando foram abordados por policiais militares que não estavam em função pública. Os criminosos estariam atuando como seguranças da companhia T.D.T., Trindade Desenvolvimento Territorial.

Segundo depoimento da única testemunha, os policiais invadiram o terreno localizado na divisa entre a área de lavoura da comunidade e terras cuja empresa alega ser proprietária, ordenando que os trindadeiros deixassem a casa, para que pudessem derrubá-la. Ao questionarem a falta de mandado judicial, os policiais agrediram o irmão da vítima e dispararam tiros em direção a eles. Duas balas atingiram Jaison. Aos 23 anos, não resistiu aos ferimentos e faleceu no Hospital Municipal de Paraty. Os dois sargentos da PM, Udson de Oliveira e Claudio Antônio Fonseca, além de aturem como seguranças da T.D.T., também trabalhavam no Fórum do município. Após o crime se entregaram na 167ª Delegacia de Polícia de Paraty alegando legítima defesa.

A comunidade caiçara de Trindade está localizada em Paraty, Rio de Janeiro. Conflitos territoriais motivados pela especulação imobiliária acontecem no local há mais de 40 anos. Revoltados com os últimos acontecimentos, trindadeiros e colaboradores organizaram um Movimento de Ordenamento Territorial e Defesa do Território Caiçara Tradicional de Trindade, denominado ‘Trindade Vive’. Também se organizaram coletivamente as mulheres da comunidade, formando o grupo Mulheres na Luta por Trindade. Os coletivos reforçam o grito contra as violências cometidas aos filhos da terra e pela sobrevivência e manutenção dos povos caiçara de Trindade em seu território ancestral.

Os trindadeiros estão unidos realizando diversas ações de resgate da cultura caiçara tradicional e ocupam pacificamente áreas localizadas na APA, Área de Proteção Ambiental do Cairuçu, que supostamente seriam da empresa. Os caiçaras estão desenvolvendo no local, atividades de esporte, lazer e de cunho social e cultural, conforme garante o plano de manejo que rege a unidade de conservação e a Lei Municipal 1.828/2011. Conhecidas como Zucel - Zonas de uso Comunitário, Esportivo, Educacional, Cultural e Lazer - essas áreas nunca tiveram a finalidade que especifica a lei. A comunidade de Trindade reivindica o cumprimento da referida legislação, proteção das autoridades e a retirada imediata da empresa T.D.T da vila de Trindade.



Para denunciar o assassinato e chamar a atenção das autoridades para o caso Jaison, no dia 6 de junho foi realizada uma manifestação pelas ruas de Paraty com a presença de diversas comunidades, como Trindade, Vila Oratório, Sono, Ponta Negra, Quilombo do Campinho, além de autoridades como o deputado federal, Nilto Tatto (PT-SP), membro da mesa diretora da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal e o representante do Poder Legislativo Estadual, o assessor do deputado estadual Flávio Serafini (PSOL-RJ), Leonardo Moreira, integrante da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal solicitou informações sobre as investigações criminais e expressou solidariedade, em homenagem à luta e resistência do povo de Trindade. Já a Comissão Especial Para Acompanhar o Cumprimento das Leis da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e de Combate a Impunidade e a Violência encaminhou ofício no dia 7 de junho solicitando ao secretário de estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame e para o chefe da Polícia Civil do estado, Fernando Veloso, solicitando status de investigação referente ao caso, assim como a averiguação da relação desse crime com conflitos de ocupação e uso do solo na região.

Vale ressaltar que o Decreto Federal n° 6.040/2007, instituiu a Política de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais que reafirma o direito ao território tradicional e o acesso a políticas públicas específicas. No dia 14 de junho, em reunião do conselho da Área de Proteção Ambiental do Cairuçu, foi aprovada moção de apoio, a ser enviada a diversas autoridades, com as seguintes reivindicações da comunidade de Trindade:
“A - Conclusão isenta e célere das investigações sobre o homicídio praticado contra o jovem Trindadeiro por agentes do Estado atuando a serviço de interesses privados, com o esclarecimento sobre o envolvimento dos mandantes, bem como a ligação com os conflitos fundiários históricos contra a comunidade;
B - Proteção dos órgãos públicos, da comunidade de Trindade, que continua sendo ameaçada.
C – Efetivação do uso coletivo das áreas Zucel, assim estabelecida pelo Plano de Manejo da APA do Cairuçu e legislação ambiental, com sua transmissão para o domínio público e sua regularização fundiária a favor da comunidade de Trindade.”

Na década de 1970, a luta dos trindadeiros era contra a Companhia Paraty Desenvolvimento Turístico. União de duas multinacionais, a Brascan e a Adela (Agência de Desenvolvimento na América Latina), essa empresa era constituída por 280 dos mais poderosos grupos empresariais do mundo, com sede em Luxemburgo. A Companhia se dizia dona das terras de Trindade e por nove anos tentou violentamente ocupar a área, chegando a manter 60 homens armados no local.

Os trindadeiros sofreram diversas agressões físicas, tiveram a estrada de acesso ao lugarejo bloqueada por jagunços, suas plantações e casas de pau-a-pique destruídas, além de estupros praticados a duas professoras. Nessa época os caiçaras foram pressionados e obrigados a venderem suas posses centenárias. Com o apoio da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro e do renomado jurista Sobral Pinto, que provou a coação e a violência sofrida pelos caiçaras, em 1982 um acordo reconheceu o direito de permanência no território para 42 famílias.

Que o Poder Executivo Municipal de Paraty, o Poder Judiciário, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), organizações não governamentais, empresários sérios e comprometidos com o bem estar social do município e demais atores sociais, estejam ao lado da comunidade caiçara de Trindade para que a cultura caiçara possa sobreviver na região. Trindade Vive!

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