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Márcio Santilli, sócio fundador do ISA
Em 18/11, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgou a taxa anual de desmatamento na Amazônia (agosto de 2020 a julho de 2021), constatando um aumento de 22% em relação ao período anterior. Foram desmatados 13.235 km², a maior extensão dos últimos 15 anos. Este salto sucede outros dois, comprovando a alta capacidade destrutiva do governo Bolsonaro, que retrocede aos tempos em que o Brasil não dispunha de políticas de combate ao desmatamento.
O resultado do levantamento do INPE foi encaminhado ao governo há mais de 30 dias, mas a sua divulgação foi adiada para não impactar a dissimulação promovida pela delegação oficial brasileira na COP-26, a conferência da ONU para enfrentar as mudanças climáticas globais. O “greenwashing Brasil” não colou e não pintaram os bilhões de dólares que o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que chefiou a delegação, pretendia obter junto à comunidade internacional para remunerar proprietários rurais por serviços ambientais. Mas serviu para arrefecer pressões sobre o Brasil, um objetivo facilitado pelos parcos avanços da conferência, realizada em Glasgow, Escócia.
Do ponto de vista do presidente Jair Bolsonaro, deve estar tudo certo: o projeto de devastação da Amazônia acelera, mesmo num contexto de economia recessiva, os “greengos” foram ludibriados num momento crítico e a desmoralização do país, com a divulgação retardada dos dados do INPE, chove no molhado para quem já havia conquistado a condição de pária planetário.
Mas o prejuízo para o país é imenso. O dano não é só de imagem. A China suspendeu a importação de carne do Brasil após a ocorrência de dois casos de contaminação por “vaca-louca”, mas parece evidente que há motivos políticos de fundo. A União Européia estuda sanções à importação de carne e de soja do Brasil. E os pecuaristas americanos reivindicam o mesmo ao governo Biden. Não há perspectiva de vigência do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul enquanto Bolsonaro estiver no poder. A sonegação dos dados do INPE deve agravar essa situação, penalizando a sua base ruralista.
Joaquim Leite ficou calado desde a sua posse, mas sentiu-se à vontade para tagarelar na COP-26. Disse muita besteira, mas se desmoralizou mundialmente com a revelação da sonegação dos dados. Evoluiu da ignorância para a má fé. Demorou cinco dias para negar que a divulgação do número do INPE tenha sido retardada. Negou, confirmando: “Ali não era momento para apontar fragilidades. Seria irrelevante apontar esse número antes ou depois, porque estávamos buscando consenso multilateral”.
Enquanto isso, Bolsonaro continua repetindo que “a floresta não pega fogo porque é úmida”, achando que todos somos umas bestas e que não sabemos que são pessoas (quadrilhas) que derrubam a mata no início da estiagem para queimá-la ao final, com a matéria orgânica já seca e suscetível a incêndios florestais.
Também andam nervosos os integrantes da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), que protagonizou o greenwashing Brasil em Glasgow, querendo fazer o mundo crer que eles não têm nada a ver com o surto do desmatamento. Só que todo mundo sabe que essa bancada foi decisiva para aprovar, na Câmara dos Deputados, projetos de lei para legalizar a grilagem de terras públicas, para tornar meramente declaratório o licenciamento ambiental de obras e de grandes projetos econômicos, para legalizar invasões predatórias de terras indígenas e de unidades de conservação, para permitir a supressão de remanescentes florestais urbanos, sempre contratando desmatamentos futuros.
Mas não é só isso. A bancada ruralista também é responsável pelas indicações dos ministros da Agricultura e do Meio Ambiente, assim como dos dirigentes de todos os órgãos a eles vinculados, como o Incra, o Serviço Florestal Brasileiro, o Ibama, o ICMBio, além da Funai. Sua obra administrativa consiste em desestruturar instituições, revogar normas, esvaziar programas, sempre com o espírito de “passar a boiada” – nas palavras do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
A FPA trabalha na defesa de um ruralismo de fronteira. Sua clientela é composta dos que dependem de ingerências no estado para obter privilégios fiscais, anistia de multas, dinheiro público barato e coisas similares. O “tratoraço” (distribuição de máquinas agrícolas superfaturadas), bancado com o chamado orçamento secreto, é um bom exemplo das vantagens obtidas por eles, que mais se empenham em bancar eleições. Já os que vivem da sua produção, atuam legalmente e independem do estado, são sub-representados na política e mais afetados por retaliações comerciais.
Centenas de milhares de mortes evitáveis, destruição das leis, políticas e instituições do estado, economia quebrada, corrupção política e familiar, disseminação de mentiras, retorno da fome, devastação da Amazônia e dos demais biomas, agravamento da crise climática, isolamento e descrédito internacional. Bolsonaro é a encarnação do caos!
Essa herança ainda se agravará até o final do atual mandato. Caso Bolsonaro se reeleja, não restaria pedra sobre pedra. Qualquer outro presidente terá que comer o pão que o diabo amassou para reconstruir o país. Mas, tendo credibilidade, ele conseguirá apoio externo com base no fato de que o Brasil é essencial para o combate à crise climática. Um paradoxo: o resgate da tragédia nacional pela tragédia planetária.
Porém, a condição principal dessa hipótese é a gestão dos recursos socioambientais de forma compatível com o combate à crise climática. O que os bolsonaristas veem como indesejáveis resquícios da pré-história, constituem, na realidade, o passaporte para o futuro do Brasil.