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ISA divulga carta sobre o Mosaico da Jureia-Itatins

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Programa Vale do Ribeira

São Paulo, 2 de julho de 2009

Carta do Instituto Socioambiental (ISA) às comunidades de Jureia-Itatins

Prezados,

Por meio deste comunicado, o ISA vem manifestar sua posição depois da recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que acatou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade anulando a Lei do mosaico da Jureia, e fazendo com que a região volte a ser uma Estação Ecológica. Com isso foram interrompidos os trabalhos do plano de manejo que vinham sendo executados pela Fundação Florestal juntamente com a Unicamp e o ISA. Queremos destacar nossa opinião em relação aos trabalhos executados, à situação dos beneficiários das Unidades de Conservação e às ações planejadas para um futuro próximo visando a elaboração de um novo Projeto de Lei que recrie o mosaico. É urgente que a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo encaminhe esse Projeto de Lei, em respeito aos trabalhos ora desenvolvidos e às comunidades locais, que se empenharam em participar e discutir o plano de manejo durante mais de um ano.

Apresentamos aqui uma análise do processo e do contexto de elaboração do plano de manejo do mosaico Jureia-Itatins, que é um exemplo dos conflitos socioambientais representados por populações que habitam Unidades de Conservação e seu entorno e têm estreitas relações com a natureza. Em curto espaço de tempo (três anos e meio) criou-se um mosaico em substituição à Estação Ecológica criada havia mais de 20 anos. O mosaico, agora anulado, gerou expectativas de mudança, e com o inicio do plano de manejo, os moradores, foram mobilizados, e os processos participativos fortalecidos. Diante destes fatos, o ISA acredita que é necessário fazer uma reflexão sobre o processo e os resultados, já obtidos e atentar para os caminhos que indicam os próximos passos na criação de uma nova lei que dialogue com as populações tradicionais e garanta a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica.

Durante os anos de 2008 e 2009 foram realizadas uma série de ações no mosaico de Unidades de Conservação Jureia-Itatins (litoral Sul de SP, e interior do Vale do Ribeira), por meio de um intenso e rico processo de discussões e elaboração de seu plano de manejo. Pela primeira vez, diferentes comunidades que convivem e habitam o mosaico participaram de uma ação ao lado de cientistas e técnicos do governo do Estado de São Paulo, de diversos fóruns de debate e de estudos coordenados por pesquisadores de universidades, lideranças locais e organizações não governamentais. Foi um momento histórico no processo de elaboração dos planos de manejo no Estado de São Paulo e de implantação de Unidades de Conservação na região de Jureia-Itatins (Leia mais. )

Nesse período, o ISA foi contratado pela Fundação Florestal para elaborar, em um primeiro momento, o diagnóstico socioeconômico das Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Barra do Una e do Despraiado. Em seguida, passou a coordenar junto a Unicamp os processos de envolvimento e participação da sociedade civil na elaboração das demais etapas de elaboração do plano de manejo de todo o mosaico. Em mais de 20 oficinas e reuniões dos conselhos gestores nas diferentes etapas, com 50 a 100 participantes em média em cada uma , foram explicados os conceitos de RDS e de plano de manejo e realizado o diagnóstico junto às comunidades. A partir daí, iniciou-se a elaboração do zoneamento de cada Unidade de Conservação (UC) do mosaico e a proposição de ações em cada programa de gestão.

Infelizmente esse processo foi interrompido pela recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, acatando Ação Direta de Inconstitucionalidade (nº 153.336.0/-00) movida pelo Ministério Publico, pedindo a nulidade da Lei nº 12.406/06, que criou o mosaico da Jureia-Itatins. Independentemente do mérito dessa decisão, nós do ISA estamos consciente de que essa medida implica um retrocesso ao transformar aquele território novamente na Estação Ecológica da Juréia-Itatins e consequentemente paralisar os trabalhos que vinham ocorrendo.

Criada em 1986, a Estação Ecológica tinha como objetivo principal a conservação dos ecossistemas naturais e a pesquisa. Se por um lado esta Unidade de Conservação foi um marco do ambientalismo nos anos 1980 contra o processo voraz de destruição da Mata Atlântica, por outro, deixou à margem o desenvolvimento socioeconômico de mais de 300 famílias, entre elas caiçaras, que já se encontravam no local.

Consideramos que a sociedade local está engajada, ciente dos objetivos ambientais de cada UC do mosaico mas que também pretende resolver definitivamente os entraves que por mais de 20 anos levaram-na ao isolamento e em muitos casos ao abandono da área por muitas famílias, sem condições mínimas de qualidade de vida.

A construção do plano de manejo de forma participativa, etapa importante do processo de implantação vinha confirmando a necessidade de parceria entre o Estado e as comunidades para atingir os objetivos de cada unidade do mosaico.A interrupção do plano de manejo e o retorno ao “passado” representam um sério revés ao processo que vinha sendo realizado e que o ISA apoiava e do qual vinha participando.

Um novo projeto é necessário e urgente

Consideramos urgente, portanto, a necessidade de um novo Projeto de Lei de criação do mosaico. Caberá à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo tomar a iniciativa e, ao elaborar o novo projeto manter a transparência levando a proposta para discussão com os diversos setores envolvidos, sem incorrer no erro do projeto anterior. Isso significa que os atores engajados e a comunidade local devem poder opinar e decidir sobre os novos limites do mosaico, entre outras questões.

Consideramos também fundamental que o Estado e a comunidade local resgatem e aproveitem, na elaboração no novo Projeto de Lei, todos os estudos que já foram realizados, bem como as propostas já acordadas em reuniões e nas oficinas do processo do Plano de Manejo.

Este também é o momento de rever e aprimorar tais discussões, incorporando no próximo plano de manejo os avanços definidos em outros planos de outras Unidades de Conservação do Estado de São Paulo, onde a presença humana representada pelas comunidades tradicionais não se dá apenas por instrumentos provisórios, tais como os “Termos de Compromisso”. Este é o momento de dar legitimidade às populações que historicamente ocupam e zelam pela conservação do ambiente da Jureia, por meio de seu modo de vida tradicional e saberes acumulados. Esta é a oportunidade de atuar no aprimoramento dos trabalhos de zoneamento e nas bases para os programas de gestão feitos recentemente. Estabeleceu-se de fato um modelo novo e criativo de plano de manejo, que contempla a realidade socioambiental da região.

É imprescindível que as comunidades e outros envolvidos com as UCs estejam mobilizados para que esse Projeto de Lei seja adequado às suas realidades e às demandas já levantadas, para garantir a conservação dos ecossistemas naturais e a sustentabilidade socioeconômica local. O Estado de São Paulo deve conduzir a proposta do novo mosaico por meio de um debate amplo em todas as comunidades da Jureia-Itatins antes das audiências previstas em lei. Isto significa que o Estado deve realizar reuniões nas comunidades que esclareçam e discutam a nova proposta, as categorias e a elaboração de um documento final. O novo Projeto de Lei, após aprovado, terá uma nova agenda de implantação, de estruturação e de retomada das atividades dos conselhos.

Por isso, recomendamos que todos os envolvidos com a Jureia, principalmente as comunidades locais, mantenham-se mobilizados para essa nova fase. Já têm em mãos uma série de documentos e mapas produzidos durante o processo do plano de manejo, com os quais poderão discutir e negociar a nova proposta. Mesmo sem as atividades dos conselhos dos parques e RDSs, as ações dentro da agenda positiva que o Estado de São Paulo vinha implementando por meio da Fundação Florestal vinha implementando devem continuar atendendo às reivindicações das comunidades.

Sobre os beneficiários das UCs

Gostaríamos de ressaltar pontos importantes com relação a esse processo. O Brasil avançou nos últimos anos na consolidação de legislação ambiental e de garantia de direitos para populações tradicionais, reconhecendo seu papel na conservação ambiental. Exemplo de legislação é o próprio Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), com as categorias de unidades de desenvolvimento sustentável, como Reservas Extrativistas (RESEXs) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDSs). São espaços importantes para a garantia da riqueza da sóciobiodiversidade brasileira.

Entre outros objetivos, essas categorias visam garantir a permanência e os direitos das populações tradicionais nos seus territórios historicamente ocupados historicamente. Essas categorias foram uma reivindicação de comunidades locais que viram durante anos, na Amazônia, no litoral paulista e em outras regiões do país, seu patrimônio histórico cultural ser dilapidado pelas ameaças, pressões e pela expulsão de inúmeras famílias a mando de interesses particulares, empresariais, por grileiros de terra ou mesmo por empreendimentos governamentais. Vale lembrar casos conhecidos na década de 1970, como a expulsão por jagunços de famílias caiçaras de Trindade, e as ameaças que rondaram o Rio Verde (Juréia-Itatins) contra as famílias feitas pela empreiteira Gomes de Almeida, que ali visava construir um condomínio de luxo para milhares de turistas.

O ISA considera que a discussão dos beneficiários do mosaico deve ser retomada junto à comunidade local, com base nos cadastros oficiais realizados, que são documentos que atestam a presença de famílias no interior das UCs desde 1990. As famílias tradicionais da Juréia devem participar deste processo de definição livremente e sem o constrangimento advindo das relações de dependências econômicas e/ou pressões externas. Consideramos que devem permanecer nas UCs de uso sustentável tanto as famílias tradicionais como as demais família que constam do antigo Cadastro Geral de Ocupantes bem como seus descendentes. Portanto, o ISA reconhece não somente o direito de permanência de famílias tradicionais, mas também daquelas que não têm outra alternativa de sobrevivência e que mantém relações sociais com as comunidades tradicionais sustentáveis no que diz respeito ao meio.

Finalizando, gostaríamos de ressaltar que é necessária a presença do Estado para fomentar projetos e suprir políticas públicas voltadas à educação, habitação, saúde, cultura e geração de renda para as famílias, que lhes garantam a longo prazo a autonomia e sustentabilidade, ao lado da conservação dos recursos naturais. Ao contrário do que tem ocorrido historicamente, o Estado não pode abdicar de suas responsabilidades no investimento socioeconômico, mesmo depois de terem sido definidos os termos de compromisso e o futuro das várias famílias, bem como não deve abdicar de manter uma boa relação entre as comunidades e as UCs.

A Jureia-Itatins, fruto de uma luta também da sociedade civil, é símbolo da sociodiversidade e biodiversidade contida na Mata Atlântica.

O ISA coloca-se à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários sobre sua atuação na região ao longo deste processo.

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