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Juliana infinita

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Nurit Bensusan

Faz cinco anos que Juliana Santilli se foi, deixando para trás um rastro de saudades e de sementes, que germinaram, floresceram e frutificaram. Juliana era advogada e jornalista, sócia-fundadora do ISA, pesquisadora colaboradora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e professora do curso de Direito Ambiental do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB). Era, ainda, promotora do Ministério Público do Distrito Federal e doutora em Direito Socioambiental pela PUC-PR.

Juliana inovou em muitos campos, como o socioambientalismo e a agrobiodiversidade. Seu trabalho, nesses dois campos, traduzidos em seus livros Socioambientalismo e os novos direitos" e “Agrobiodiversidade e direitos dos agricultores”, fez história e abriu caminho para inúmeras outras pesquisas, ideias e abordagens.

Muitos anos se passarão, e mesmo que as pessoas não consigam mais rastrear a origem de suas ideias, elas estarão enraizadas no pensamento de Juliana. Sua enorme capacidade de juntar saberes diferentes, como os conhecimentos de povos indígenas e de comunidades locais e a ciência jurídica, alimentou uma infindável luta pelo direito dessas populações, e abriu novas possibilidades para sua autonomia.

Como bem ressalta Carlos Frederico Marés em vídeo de homenagem à Juliana, ela era acima de tudo uma intelectual generosa (veja abaixo). Comunicava-se com igual facilidade com todos, não se cansava jamais de explicar e lançava, por todo canto que ia, sementes para um futuro melhor. Fez isso não só no Brasil, mas também em países da África, expandindo ainda mais os frutos de seu legado, como podemos ver no texto abaixo de Márcio Santilli.

Juliana africana

Márcio Santilli

Juliana Santilli fez muitas coisas nos seus 50 anos de vida. Uma ativista, no melhor sentido da palavra: na permanente busca do que acreditava. A opção por estudar direito decorreu do seu sentido e anseio por justiça. Mas não o reconhecia num hermético código legal e preferiu fazer uma especialização em jornalismo, nos EUA, antes de mergulhar na construção dos direitos socioambientais, no mestrado e no doutorado. Para ela, não havia direito se não fosse propagado.

Juliana nos deixou três livros e centenas de artigos. Adorava dar aulas e fazer apresentações. Foi fundadora do ISA e colaborou com muitas organizações civis. Sempre manteve uma agenda intensa de atuação nos temas civilizatórios para os quais viveu, pelos direitos dos índios e das populações tradicionais aos seus recursos e diferenças culturais. Pelo meio ambiente, democracia, igualdade social na diversidade, em sentido mais geral. No combate à violência de gênero e à apropriação indevida dos recursos naturais, como atuação profissional.

É reconfortante ouvir a manifestação de tantas pessoas, cinco anos após a partida da Juliana, de saudades, de lembranças, de vontades e de andanças. Tendo vivido com ela por 26 anos, eu poderia contar muitas histórias. Mas vou priorizar aqui o registro da sua obra menos conhecida: as sementes que ela plantou na África.

Isso mesmo! A Juliana tinha fascínio pela África, que ela via como uma espécie de território prioritário para o ativismo humanitário. Ela doava, regularmente, parte do seu salário para organizações como Médicos Sem Fronteiras, envolvidas em ações sociais de escala naquele continente. Ela construiu uma rede de relações com pessoas e entidades africanas, com quem mantinha sempre contato.

Juliana foi consultora de agências de cooperação internacional, como GYZ, CIRAD e FAO, e participou de, pelo menos, uma dezena de processos de formação de quadros, em direitos socioambientais, realizados em países africanos. Falava correntemente, além do português, inglês e francês, e encarava um portunhol numa boa. Traduzia em aulas e apresentações nessas línguas a informação sobre os direitos socioambientais em construção no Brasil e em outras partes do mundo, que eram cuidadosamente preparadas antes de cada incursão pela África.

Eu ficava aflito com as viagens da Juliana para a África. Lembro da forma direta com que ela me comunicava:

- Vou para a Etiópia no final desse mês...
- Jura?
- Vai rolar uma oficina da FAO com líderes comunitários de lá.
- Em Adis Abeba?
- Não. Vai haver uma reunião de planejamento e outra de avaliação em Adis Abeba, no primeiro e no último dia, mas a oficina vai ser numa vila agrícola no norte do país.
- Ah.. tá...
- O chato é que lá não tem telefone e eu não sei se vou ter como me comunicar com vocês...
- Jura?
- Mas vão ser só cinco dias.

Por essas e outras, esse front de atuação da Juliana será inesquecível para mim. Mas o motivo de compartilhar esse lado da sua obra é a certeza que eu tenho de que, para ela, cooperar com os povos da África foi uma missão essencial da sua vida.

Imagens: 

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