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Levante Indígena denuncia Bolsonaro, pressiona Congresso e apela ao STF

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Por Márcio Santilli, sócio fundador do ISA

Eles foram chegando… Não se trata de uma nova edição do Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorre anualmente, em abril, em Brasília, convocado pela Apib, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, e que se realizou de forma virtual nos dois últimos anos, por causa da pandemia. O “Levante pela Terra” é a revolta que transborda das aldeias, como resposta às sucessivas intervenções do próprio presidente Bolsonaro para dividir os índios e atropelar os seus direitos.

Eles foram chegando em levas. Os Xokleng, Kaingang e Guarani do Sul e Sudeste vieram a Brasília principalmente para acompanhar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de uma ação contrária à demarcação das suas terras. A análise do caso já havia começado no plenário virtual do tribunal, com o voto do relator, ministro Edson Fachin, favorável à demarcação, mas foi transferido, a pedido do ministro Alexandre de Morais, para o plenário presencial.

Os Munduruku, do Pará, que tiveram parte da sua delegação retida à força por agentes da mineração predatória, vieram protestar contra a falta de segurança nas suas terras, com sucessivos ataques criminosos a sedes de associações e casas de lideranças indígenas. Sexta-feira passada, o STF confirmou, por unanimidade (11x0), a liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso pela pela proteção dos moradores das Terras Indígenas Munduruku e Yanomami contra a ação de garimpeiros ilegais.


A esses primeiros grupos juntaram-se outras lideranças e decidiu-se pela instalação de um acampamento ao lado da Esplanada dos Ministérios, denominando-o Levante pela Terra. É bom lembrar que a mobilização conta com atendimento médico e todos os participantes estão vacinados e seguindo os protocolos sanitários (uso de máscara, distanciamento social e higienização constante das mãos).

Uma chuva forte e fria, em plena estação seca, ampliou o desconforto, mas também suscitou ações de solidariedade, com a doação de cobertores, agasalhos e alimentos aos indígenas por organizações e moradores de Brasília.

A Constituição afirma que compete à União demarcar, proteger e fazer respeitar os bens das Terras Indígenas, mas a bancada ruralista na Câmara decidiu pautar, na Comissão de Constituição e Justiça, o Projeto de Lei 490/2007. Se aprovado, na prática ele impedirá a demarcação das terras e retirará dos índios o direito de usufruto sobre áreas invadidas por garimpeiros e grileiros. Essa ameaça de golpe legislativo motivou a ida a Brasília de mais e mais grupos, como os Pataxó (BA), Guarani (MS) e Kaiapó (PA), aumentando para mais de 850 os participantes no Levante.


Inquéritos e bombas de gás lacrimogêneo

As últimas semanas foram pródigas em tentativas do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, de valer-se da sua condição de delegado da Polícia Federal para requerer a instauração de inquéritos para perseguir lideranças indígenas que se opõem ao governo. Quando os índios acampados se aproximaram da sede do órgão para interpelá-lo, foram recebidos com bombas de gás lacrimogêneo. No atual governo, a Funai, inchada de policiais e militares desviados das suas funções como ocorre em outros órgãos federais, dedica-se a promover atividades predatórias nas Terra Indígenas, dividir as comunidades e usurpar seus direitos básicos.

Os indígenas também protestaram diante da sede da Agência Nacional de Mineração (ANM), incomodados com a sua omissão diante do avanço da mineração ilegal, que já expandiu em 300% a área devastada nos territórios indígenas nos dois anos do governo Bolsonaro. A contaminação por mercúrio das águas, dos animais e das comunidades que deles dependem é gravíssima e generalizada. Além do contágio por Covid e outras doenças introduzidas pelos mineradores ilegais. A ANM permanece inerte.

A expectativa maior do Levante é por uma decisão final do STF sobre controvérsias relativas aos direitos territoriais indígenas suscitadas por interesses contrariados pelas demarcações, como a tese do “marco temporal”, que pretende restringir os direitos territoriais apenas aos grupos que estavam nas suas terras na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, excluindo os povos que foram esbulhados e submetidos a transferências forçadas durante a ditadura militar. Esse julgamento está marcado para a próxima quarta-feira, 30/6.


Embora originado do caso Xokleng, ele foi alçado à condição de “repercussão geral” e, por causa disso, terá decisão aplicável a todas as demarcações pendentes, com impactos sobre projetos de lei relativos a esses direitos, como o que tramita na CCJ da Câmara. O voto do relator, ministro Fachin, suspende os efeitos de um um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) que restringe as demarcações, rejeita o “marco temporal” e reafirma a imprescritibilidade dos direitos territoriais indígenas. Serão necessários outros cinco votos para consolidar essa posição.

Representantes indígenas foram recebidos pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a quem pediram para sustar a tramitação de projetos de lei atentatórios à Constituição, movidos por ruralistas e predadores minerais. Lira disse que não poderia interferir na pauta das comissões técnicas, que esses projetos não seriam priorizados na pauta do plenário e que seria constituído um grupo de trabalho para discutir os projetos de lei contestados pelos índios. Essa providência não é regimental e parece embromatória.

Um grupo de 13 juristas, dentre os mais reconhecidos no país, enviou uma carta aos membros da CCJ ponderando que a decisão do STF prevista para o dia 30 deveria preceder a apreciação do PL 490, que envolve matéria correlata, mas a sua presidente, Bia Kicis (PSL-DF), uma negacionista empedernida, manteve o projeto na pauta, provocando a revolta dos índios, que foram duramente reprimidos ao tentarem entrar na Câmara para acompanhar a votação. Ontem, a CCJ aprovou a proposta, que ainda será votada em plenário.



Vitórias do Levante

Mas a vitória unânime contra a mineração predatória nas terras Yanomami e Munduruku no STF e a decisão do presidente da corte, Luís Fux, de pautar a “repercussão geral”, foram os principais resultados do Levante, até agora. Com a permanência na pauta da Câmara e do STF de questões do seu maior interesse, o acampamento deve continuar nas próximas semanas, com delegações se alternando, e tenderá a crescer em agosto.

Os acampados marcaram forte presença na manifestação contra o governo, convocada por movimentos sociais e partidos de oposição, ocorrida sábado passado. O bloco dos índios - vacinados, usando máscaras e respeitando distância mínima entre as pessoas - reforçou, de forma exemplar, a luta mais geral contra Bolsonaro.

A presença marcante da juventude indígena em todas as manifestações do Levante emocionou os velhos guerreiros da causa, como eu, e deixa claro que a resiliência histórica do movimento vai longe, fortalecida por alianças com outros atores sociais. Vejam, abaixo, a foto do Dário Yanomami, filho do Davi Kopenawa, da Maial Kaiapó, filha do Paulo Paiakã, e do Beptuk Kaiapó, neto do Raoni Mektutire, defendendo a Constituição do Brasil, construída também com a luta dos seus pais e avôs e que está agora sob forte ataque.



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