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Michel Temer quer criar a Floresta do ‘Desmanxim’

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ISA

Em editorial, o ISA denuncia o novo ataque do governo às florestas protegidas no Jamanxim, no sudoeste do Pará

Desde que foi criada, em 2006, a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no sudoeste do Pará, vem sendo invadida, desmatada e saqueada. O caso envolve mais de uma década de erros e omissões do governo, o que resultou no aumento dos conflitos e do desmatamento. Desde 2012, o desmatamento tem aumentado no interior da área e hoje avança no ritmo de um campo de futebol por hora. E intensificou-se também a pressão para que a Flona seja reduzida ou até mesmo extinta. No final de 2016, o presidente Michel Temer cedeu à pressão de parlamentares do Pará e lançou a Medida Provisória 756/2016 para reduzir o tamanho Flona. No mesmo pacote, editou a MP 758, que reduzia uma pequena área do vizinho Parque Nacional do Jamanxim para viabilizar a construção da ferrovia conhecida como “Ferrogrão”.

Após seis meses de intensa polêmica e de muita pressão nacional e internacional, o presidente resolveu vetar a MP 756. Deu a notícia às vésperas de sua viagem à Noruega. O episódio ficou marcado pelo cinismo e falsidade, já que, no dia 13 de julho, Temer enviou ao Congresso um Projeto de Lei (PL 8107) desprotegendo uma porção ainda maior da mesma Unidade de Conservação (UC). Agora, os deputados e senadores vão decidir o destino da Flona do Jamanxim, ao mesmo tempo em que votam as denúncias contra o presidente.

O ISA acompanha o caso desde o início e mostrou em vários artigos e notas técnicas a dança dos números em torno da desproteção das florestas da região (veja abaixo a linha do tempo produzida pelo Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA). A proposta de redução dessas áreas começou em 305 mil hectares, ultrapassou 1,2 milhão hectares na Comissão Mista do Congresso e, no momento do veto, estava em 600 mil hectares. Agora, a proposta de redução contida no PL 8107 começa em 350 mil hectares, número que pode aumentar durante sua tramitação no Congresso, certamente com muita polêmica até o seu desfecho. Mas a questão não pode ser reduzida apenas a uma guerra de números. Trata-se de sinalizar qual será o futuro dessa porção estratégica da Amazônia: se continuará floresta ou se será devastada.

Os defensores do PL afirmam que não está havendo redução de tamanho em UC, apenas uma mudança de categoria. Mas, na prática, dá no mesmo, pois a mudança permitiria a compra e venda de terras, o corte raso da vegetação, agricultura, pecuária e mineração. Na tentativa de evitar o aumento do desmatamento após a redução da Flona, o governo incluiu algumas salvaguardas no PL. Uma delas é limitar em 20% o desmatamento nas propriedades, apesar do Zoneamento da região ter reduzido a Reserva Legal das propriedades para 50%. E também estipulou que só poderão ser regularizadas posses efetivadas até o ano de 2006. Entretanto, é pouco provável que essas salvaguardas sobrevivam à tramitação no Congresso.

A polêmica em torno de Jamanxim envolve vários atores. A terra é cobiçada pela máfia local, que deseja enriquecer com a venda de terras e de madeira, e também por setores do agronegócio, que almejam ampliar o estoque de terras para a produção. Parte dos moradores também apoia o movimento, pois depende do trabalho na exploração ilegal da floresta, muitas vezes em situação semelhante à escravidão. A economia local é movimentada pela pilhagem da floresta. Há os ocupantes legítimos, que chegaram antes da criação da Flona, e lutam pelo seu direito à terra e também aqueles ocupantes ilegais que chegaram depois, os grileiros. Quanto a alguns parlamentares do Pará, seu interesse em desproteger a floresta tem como objetivo manter sua base eleitoral. Já o presidente da República, após o veto de faz de conta, usa o caso de Jamanxim como moeda de troca para obter apoio contra a denúncia de corrupção da Procuradoria-Geral da República.

Mesmo os ocupantes legítimos ampliaram suas reivindicações por terra, o que tem relação com a recente aprovação de outra MP, a 759, que legaliza a grilagem de terras em áreas públicas de até 2,5 mil hectares. O tamanho médio das áreas reivindicadas na Flona é de 1,7 mil hectares, o que vai além das necessidades de uma família e já pode ser considerado um latifúndio. Há um caso em que cada membro de uma mesma família requer cerca de 2 mil hectares. Outro em que a mesma pessoa reivindica incríveis 89 mil hectares! Políticos e empresários, muitas vezes enrolados em casos de grilagem e desmatamento, também estão na lista de favorecidos pela redução da Flona. Sem falar nos ‘laranjas’, que estão na terra apenas para “segurar” territórios em nome de outras pessoas. Todos serão beneficiados, sem distinção, caso o Projeto de Lei seja aprovado.

A redução da Flona do Jamanxim abre um perigoso precedente para a desproteção de UCs na Amazônia e outros biomas. Há vários pleitos semelhantes, como no sul do Amazonas, onde parlamentares já redigiram a proposta de um Projeto de Lei, negociado diretamente com a Casa Civil, para reduzir cerca de 1 milhão de hectares em florestas protegidas (saiba mais).

A aprovação do Projeto de Lei 8107 também teria o potencial de incentivar o desmatamento, porque sinaliza que as terras públicas invadidas e desmatadas poderão ser regularizadas no futuro. Os seguidos atos do governo no caso de Jamanxim passam a mensagem clara de que o crime compensa. É grave que isso aconteça justamente no sudoeste do Pará, onde o desmatamento mais cresce na Amazônia e região que guarda a última conectividade entre as florestas das bacias do Xingu e do Tapajós.

Na época da criação da Flona, o governo lançou o Plano BR-163 Sustentável, que envolvia vários ministérios em ações voltadas para o desenvolvimento sustentável e o combate ao desmatamento. Mas, apesar da aparente vontade política naquele momento, pouca coisa saiu do papel. Se naquela época as medidas não foram efetivas, é difícil imaginar que agora seja diferente, visto que o conflito agravou-se, a vontade política diminuiu e o orçamento dos órgãos ambientais foi drasticamente reduzido.

É alarmante verificar que o futuro da Amazônia é refém de interesses nada republicanos. E que o caso de Jamanxim é apenas a ponta de lança de um ataque sem precedentes contra as áreas protegidas, os povos tradicionais e a legislação socioambiental brasileira. Enquanto se desenrola a maior crise política e ética do país, segue em curso a dilapidação final das áreas protegidas e dos recursos naturais do Brasil. Em tempos de Lava Jato, parece que a Amazônia vai pagar o pato.

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