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Na prática, proposta do governo Temer acaba com demarcações de Terras Indígenas

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Em editorial, o ISA critica o que seria o esboço das novas normas para alterar procedimento vigente hoje. Se oficializado, ele inviabiliza demarcações

Em se dando crédito ao que informam os jornais, o Ministério da Justiça estaria finalizando uma proposta para alterar o procedimento administrativo de demarcação de Terras Indígenas, atualmente regido pelo Decreto 1.775/1996.

A minuta que chegou à imprensa é uma aberração sem precedentes: em vez de viabilizar o mandamento constitucional de demarcar essas terras, cria uma longa série de restrições de direitos e de obstáculos incabíveis. Se editada, bem se poderia chamá-la de “decreto da covardia histórica”.

O direito territorial indígena é “originário”, ou seja, precede à instituição do próprio Estado brasileiro. A proposta do governo nega tal caráter, subordinando esse direito a quaisquer interesses incidentes sobre a área identificada como indígena.

Para tanto, distorce decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e destitui de direitos as comunidades expulsas das suas terras antes da promulgação da Constituição de 1988, consolidando os crimes praticados contra os índios durante a ditadura civil-militar instalada em 1964.

A eventual aplicação dessa proposta criaria a inusitada e absurda figura dos “índios sem-terra”. O inciso III do artigo 27 da minuta diz expressamente: “o direito à reparação, por meios que podem incluir a restituição ou, quando não for possível, uma indenização justa, imparcial e equitativa, pelas terras, territórios e recursos que possuíam tradicionalmente (...)”. A categoria “terras que possuíam” inexiste na Constituição e o que se cogita – pagar aos índios por áreas que não serão demarcadas – viola o domínio constitucional que a União detém sobre essas terras e as reduz à condição de mera mercadoria.

A proposta cria outra instância de decisão sobre as demarcações, retirando competências da Fundação Nacional do Índio (Funai) e inserindo no processo vários órgãos que desconhecem as demandas indígenas ou defendem interesses contrários. Com isso, as propostas de áreas a serem demarcadas seriam bombardeadas antes de chegar ao Ministério da Justiça. A introdução de novos procedimentos formais tornaria praticamente impossível a conclusão dos processos demarcatórios (já bastante demorados atualmente), além de oferecer ganchos e pretextos para paralisá-los em juízo.

A proposta do governo inclui a revisão de limites de terras já demarcadas que, por qualquer motivo, não tenham sido ainda registradas na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e em cartório, subordinando-as aos novos procedimentos previstos, anulando etapas já cumpridas com base nas regras então vigentes e reabrindo conflitos já superados.

No entanto, a minuta sequer cogita uma solução para a real dimensão dos conflitos pendentes, como a indenização pela terra aos portadores de títulos legítimos, concedidos pelo próprio poder público e que incidam sobre áreas identificadas como indígenas. Hoje, a Constituição prevê apenas a indenização de benfeitorias realizadas de boa-fé.

Se publicada, a proposta do governo certamente será contestada no STF, assim como qualquer definição de limites de terras específicas que venha a ser prejudicada ou amputada por força da sua eventual aplicação. O Executivo estaria, ainda, sujeito a outros processos judiciais por omissão, uma vez que transferiria, na prática, para o Judiciário a solução do restante das providências demarcatórias a que está obrigado.

Enfim, a minuta divulgada é a pior proposta de normatização da demarcação de Terras Indígenas já formulada desde os tempos de ditadura. Ao que parece, o governo Temer trama, às pressas, a destruição do arcabouço legal construído durante o período democrático, antes dele próprio ajustar contas com a Justiça.

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