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Os Waimiri Atroari não são brincadeira

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Em editorial, o ISA relembra e volta a denunciar a ofensiva que tenta impor a construção de grandes obras sem a devida consulta aos povos indígenas

Na noite de terça (5/6), a Câmara aprovou o projeto de lei de conversão da Medida Provisória n.º 820/2018, que trata da questão emergencial dos refugiados venezuelanos em Roraima e em outras partes do país.

O relator do projeto, deputado Jonathas de Jesus (PRB-RR), havia introduzido um “contrabando legislativo", tentando se aproveitar da urgência e da relevância da situação dos refugiados para impor a construção de uma linha de transmissão de energia através da Terra Indígena (TI) Waimiri Atroari (RR/AM) sem a prévia consulta aos índios, como exigem a Constituição, a Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outras leis.

O “contrabando legislativo” ou “jabuti”, como também são conhecidas as emendas com conteúdo estranho ao objeto de MP, é uma prática vedada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2015.


A inclusão do “jabuti” gerou forte rejeição da parte do ISA, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e de outras organizações da sociedade civil, além de notas técnicas contrárias emitidas por Ministério Público Federal (MPF), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e Fundação Nacional do Índio (Funai). A oposição se mobilizou na Câmara e ameaçou obstruir a votação da medida provisória como um todo. A estratégia deu certo. Na reunião de líderes que antecedeu a votação, celebrou-se acordo para a exclusão do “jabuti”.

A TI Waimiri Atroari está na região de fronteira entre Amazonas e Roraima e é cortada pela BR-174 (Manaus-Caracas), numa extensão de 125 km. Durante o regime militar, a implantação da estrada, a exploração de cassiterita e a instalação da hidrelétrica de Balbina impactaram violentamente os Waimiri, dizimando os adultos. Desde então, liderados por seus jovens guerreiros e apoiados pelo Programa Waimiri Atroari (PWA), o povo indígena vem se recuperando dessa tragédia e mantém muito bem protegida e conservada a parte do seu território tradicional que foi reconhecida e demarcada (saiba mais).

Índios não se opõem a projetos

Apesar da relação de contato desastrosa, os Waimiri Atroari nunca se negaram a discutir com os governos federal e estaduais projetos de desenvolvimento, como ocorreu no caso da pavimentação da BR-174, que teve a concordância dos índios por meio de acordo escrito e subscrito por vários ministérios e pelos governos dos dois estados, assegurando os recursos necessários para a proteção da área. Da mesma forma, os líderes indígenas já haviam acordado uma agenda de consultas às comunidades sobre o projeto da linha de transmissão com o ex-presidente da Funai Franklinberg Farias, exonerado justamente por pressão de parlamentares fisiológicos sem que essa agenda fosse implementada, o que levou os índios a suspender o processo por falta de interlocução confiável no atual governo.

Quando plantou o seu “jabuti “no projeto de conversão, o deputado relator já sabia da vigência de uma decisão liminar da Justiça Federal do Amazonas, suspendendo o licenciamento ambiental da obra até que seja realizada a consulta aos índios. Também tinha ciência da proibição determinada pelo STF sobre a inclusão de “contrabandos legislativos”. A governadora de Roraima, Sueli Campos, também sabia dessa decisão quando ingressou no STF, com uma ação judicial para que a obra seja realizada sem consulta aos índios. Ao invés de conversar com eles, os políticos de Roraima reivindicam da União medidas ilegais e até força militar para violentar mais uma vez os Waimiri.

Na mesma direção, o Ministério das Minas e Energia, sob a direção de Wellington Moreira Franco (apelidado de “Angorá” nas delações da empreiteira Oderbrecht), enviou consulta ao Ministério da Defesa sobre a edição de um decreto presidencial para impor a obra aos Waimiri Atroari, igualmente sem oitiva aos índios, alegando risco iminente de um apagão em Roraima. A consulta do ministro foi motivada pela expectativa de que, com o decreto, o Exército use a força contra os índios para que a obra se realize. Mas o Ministério da Defesa sabe, por experiência própria, o que significaria essa guerra na selva, que os dirigentes políticos, de olho nas próximas eleições, preferem ignorar.

Não haverá linha de transmissão sem consulta e pode ser que também não haja só com violência. Os Waimiri Atroari são um povo guerreiro e estão sabendo dessas armações, que lhes dão toda a razão para não confiarem no atual governo. Os políticos que os provocam estão brincando com gente séria. Devem escolher entre a consulta e a violência, e assumir a inteira responsabilidade pela opção, podendo ficar sem a linha de transmissão.

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