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Patentes biotecnológicas agora devem comprovar origem e legalidade do recurso genético ou conhecimento tradicional acessado

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Fernando Mathias

Atos normativos do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) e do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) regulam o certificado de procedência legal para pedidos de patentes que envolvam acesso a componente do patrimônio genético ou de conhecimentos tradicionais. Medida fortalece a posição do Brasil em fóruns internacionais.

Vigoram a partir de ontem (02/01/2007) dois atos normativos importantes para a regulamentação da política de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios: a Resolução n º 23/2006 do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) e a Resolução n º 134/2006 do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Ambos regulamentam uma norma que já existe há muito tempo na legislação de recursos genéticos, mas que não tem sido posta em prática: o certificado de procedência legal para pedidos de patentes que envolvam acesso a recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais.

O mecanismo está previsto no artigo 31 da Medida Provisória 2.186-16/01 e tem por objetivo rastrear a origem e a legalidade do acesso ao recurso genético ou conhecimento tradicional que resultou na patente, de forma a permitir a repartição de benefícios e coibir o patenteamento de produtos ou processos obtidos a partir de acessos feitos ilegalmente.

Estudo do ISA revela omissão e Cgen cria GT

Os atos do Cgen e do INPI são o resultado de um processo deflagrado a partir do estudo O Certificado de Procedência Legal no Brasil: estado da arte da implementação da legislação, realizado pelo ISA, cujo resultado demonstra que o sistema de patentes vem ignorando até hoje a legislação de acesso. Da amostra de pedidos de patente levantada no estudo, menos de 10% indicam a origem do material genético ou do conhecimento tradicional acessado. Nenhum pedido de patente analisado conta com autorização do Cgen.

O estudo foi lançado durante a 8ª Conferência das Partes (COP-8) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e apresentado também no Cgen, onde foi criado um Grupo de Trabalho coordenado pelo INPI para discutir como regulamentar o artigo 31 da MP. O objetivo do GT foi discutir medidas práticas que viabilizem a criação de procedimentos conjuntos entre Cgen e INPI que permitam, com baixo custo administrativo, estabelecer um regime de controle de patentes que derivam de acesso a patrimônio genético e conhecimento tradicional associado. Isso para que haja meios de rastrear se o acesso foi feito legalmente e se houve a devida repartição de benefícios. O GT do Cgen se reuniu por diversas vezes até chegar ao resultado estampado nas resoluções mencionadas.

Declaração do depositante

A Resolução n º 23/2006 do Cgen determina que o requerente de pedido de patente de invenção de produto ou processo, resultante de acesso a componente do patrimônio genético, deve declarar ao INPI que cumpriu as determinações da Medida Provisória 2.186-16/01, bem como informar o número e a data da autorização de acesso correspondente, emitida pelo Cgen. A Resolução n º 134/2006 do INPI, por sua vez, detalha esse procedimento, exigindo do requerente que informe ao INPI se o objeto do pedido foi obtido ou não em decorrência de um acesso a componente do patrimônio genético nacional.

Em caso afirmativo, o requerente deverá informar a origem do componente do patrimônio genético e do conhecimento tradicional, quando for o caso, bem como o número e a data da autorização de acesso concedida pelo Cgen. A prestação das informações é condição para a continuação do trâmite do pedido de patente.

Foram destinados campos específicos no formulário para depósito de patentes e no formulário PCT - fase nacional (destinado a validar no Brasil patentes obtidas em outros países signatários do Tratado de Cooperação em Patentes). A prestação de informações falsas no formulário está sujeita a sanções administrativas e penais.

Vigência da regra

Apenas os pedidos de patentes que envolvam acesso a componente do patrimônio genético realizado a partir do dia 30 de junho de 2000 estão sujeitos à declaração de procedência legal. A data se refere à vigência da primeira Medida Provisória que regulou o acesso a componente do patrimônio genético, conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios. Pedidos de patentes resultantes de acesso realizado antes dessa data não necessitam comprovar a procedência legal, na medida em que o acesso foi feito antes da vigência do primeiro marco legal nacional sobre o assunto.

Por outro lado, a declaração do requerente nos formulários de depósito ou do PCT - fase nacional vale para pedidos de patentes realizados a partir do dia 02 de janeiro de 2007, data de vigência das resoluções do Cgen e do INPI. Os requerentes de pedidos de patentes cujo objeto derive de acesso feito após 30 de junho de 2000 e cujo depósito no INPI seja anterior a 02 de janeiro de 2007 deverão declarar ao INPI, em formulário específico gratuito, que foram cumpridas as exigências da MP 2.186-16/01, informando número e data da autorização de acesso correspondente, bem como a origem do componente do patrimônio genético ou conhecimento tradicional acessado.

Monitoramento complementar é fundamental

A regulamentação do certificado de procedência legal baseia-se na declaração voluntária do interessado no pedido de patente. Por essa razão, é preciso haver um sistema complementar de monitoramento dos pedidos de patentes biotecnológicas que permita identificar eventuais discrepâncias entre o que foi declarado e o que foi de fato realizado, bem como intervir aplicando sanções administrativas em caso de descumprimento das normas.

Visando esse objetivo, o INPI e a Secretaria Executiva do Cgen vêm dialogando no sentido de facilitar o acesso a informações de ambos os órgãos, para que seja possível mapear os pedidos de patente que recaiam sob a legislação de acesso.

Por outro lado, o decreto n º 5.459/2004, que regulamenta as sanções administrativas aplicáveis a condutas lesivas ao patrimônio genético, já prevê a aplicação de sanção de suspensão e/ou cancelamento de registro, patente, licença ou autorização.

Importância da medida: Brasil faz a lição de casa para o mundo

O Brasil é um dos maiores defensores do certificado de procedência legal no âmbito internacional. Na CDB, o Brasil defende a existência de um regime internacional de acesso a recursos genéticos que possibilite o cumprimento da legislação nacional do país de origem do recurso genético por usuários sediados em outros países. Isso permitiria o rastreamento da cadeia de acesso e uso dos recursos genéticos, coibindo assim a biopirataria internacional. O principal mecanismo de implementação do regime internacional é justamente o certificado de procedência legal, que serviria como uma espécie de “passaporte” do recurso genético, atestando que o acesso foi feito de forma legal no país de origem e que os benefícios foram ou serão repartidos justa e equitativamente, como requer a CDB.

O Brasil vem capitaneando essa discussão também na Organização Mundial do Comércio (OMC), onde se situa o acordo TRIPS sobre propriedade intelectual ligada ao comércio. Juntamente com o apoio de Índia, China, África do Sul, Colômbia e outros países em desenvolvimento, o Brasil apresentou emenda ao TRIPS para incluir o certificado de procedência legal no texto do TRIPS como forma de compatibilizá-lo com as exigências da CDB. A proposta de emenda ao TRIPS sofre oposição dos Estados Unidos, Japão, Austrália, Canadá, Nova Zelândia, entre outros, e faz parte da agenda permanente de negociação da OMC, que atualmente está em compasso de espera, em razão da suspensão da rodada de Doha.

Do ponto de vista da diplomacia, a regulamentação do certificado de procedência legal em termos práticos é fundamental para que o Brasil ganhe credibilidade internacional, na medida em que sua posição de negociação frente a outros países contrários à idéia do certificado se fragiliza diante da própria incapacidade e inércia para implementá-lo em nível doméstico.

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