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Em entrevista à equipe do Boletim de Áreas Protegidas, o procurador da República André Lasmar, atual coordenador do GT de Saúde Indígena da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão para Índios e Minorias do Ministério Público Federal (MPF), explica a estratégia de atuação do órgão pela consolidação do subsistema de saúde indígena do SUS.
O GT de Saúde Indígena vinculado 6ª Câmara do MPF é um grupo nacional com a função de orientar e apoiar ações de procuradores da República em diversos estados brasileiros – em especial, aquelas que se relacionam mais com populações indígenas, como Amazonas, Mato Grosso do Sul e de Rondônia. O procurador explica que, em geral: “Os colegas que pegam as causas mais complicadas, são justamente aqueles no Norte, no Nordeste ou no interior. Eles acabaram de ingressar na carreira; então, onde é mais difícil o trabalho, é onde está o colega menos experiente”.
Dr. André Lasmar ingressou no GT em 2005 e assumiu sua coordenação em 2009 com o objetivo de não apenas orientar seus colegas para a atuação local, mas de propor ações capazes de impactar as políticas de gestão da saúde indígena em âmbito nacional.
Instituto Socioambiental (ISA) – Quais têm sido as principais ações realizadas pelo MPF com relação aos problemas de gestão da saúde indígena?
Dr. André Lasmar (AL) – Nós percebemos que há diversas coisas que não podem ser resolvidas regionalmente. Tem fatos que precisam ser resolvidos nacionalmente. O primeiro caso concreto foi justamente o caso do edital de chamamento público no. 1 da Sesai. No Amapá e no Rio Grande do Sul, foi concedida uma liminar, por ação do MPF, para permitir a contratação temporária [de funcionários da saúde indígena]. Em Alagoas também tem uma questão de contratação e, no Pará, o colega Felício Pontes também ingressou com uma ação para obrigar [a contratação temporária]. Mas lá parece que a liminar não chegou a ser analisada. É uma ação de agosto do ano passado [veja o andamento]. A ideia é fazer duas frentes de batalha: uma frente nacional, em questões que exijam tratamento uniforme, e uma frente regional.
ISA – Qual o encaminhamento atual da ação civil pública que coloca em questão o edital chamamento público de entidades para execução de ações complementares junto aos DSEIs (nº 1.16.000.003155/2011-43)?
AL – Argumentamos que essa é uma política homogeneizante, que não atende à diferença dos povos indígenas. Obviamente, por causa dessa política, que não considerou a peculiaridade do subsistema de saúde indígena, o resultado foi o pior possível: uma única entidade foi qualificada para atender à saúde indígena do Brasil inteiro – a Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM). Depois houve um recurso voluntário das organizações – cinco ou sete recursos – e por fim ficaram três. Esse é o ponto que a gente enfatiza: é exatamente o tipo de política que é contra o subsistema. O subsistema foi feito justamente para não ser homogeneizante; foi feito para ser plural. Mas foram criadas regras sem consulta aos povos indígenas, em desrespeito à Convenção 169 [da OIT], e cujo resultado obriga que três entidades prestem o serviço para todo o território nacional e os 34 DSEIs – só um não era abrangido, porque já tinha um regime próprio. Da forma que foi feito, o edital conseguiu piorar o que já estava ruim. Essa é a nossa visão. Por mais bem intencionada que tenha sido a Sesai, ela não só não fez um concurso [publico], como, ainda por cima, fez um chamamento público, que, a despeito de transparência e licitude, e de tentar dar uma nova feição à gestão da saúde indígena, na verdade, piorou que o que a gente já tinha.
ISA – Que problemas especificamente o GT identifica no edital de chamamento n° 1? Por que, inicialmente, somente uma ONG foi qualificada?
AL – O que nós estamos discutindo é se a SPDM deve ser a única vencedora do chamamento público. Veio esse edital e ele estava em conformidade com a Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano anterior, de 2010. E ela exigia que, para fazer repasse de verbas voluntárias da União para ONGs, que a organização tivesse o Cebas (Certificado Beneficente de Assistência Social). Só que a maioria das associações indígenas não têm Cebas. Por quê? Porque muitas eram Oscips – o próprio governo federal incentivou-as para virarem Oscips –, e Oscips não têm Cebas. Coincidentemente ou não, um dia depois veio a nova lei orçamentária que disse: de agora em diante, para prestação de saúde indígena não precisa de CEBAS. Ia, por causa de uma lei orçamentária anterior, vincular à CEBAS, sendo que a nova lei não exige. E as comunidades não foram consultadas – em nenhum momento. Que esse era o objeto principal: o não respeito à Convenção 169, que exige a consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas em questões que lhes afetem diretamente. Em agosto de 2011, saiu o edital de chamamento público no. 1, dizendo que não ia ter mais a pactuação [como nos tempos da Funasa]. Ninguém sabia como eram escolhidas essas conveniadas – há suspeitas, mas não há provas. Já há várias investigações do Ministério Público sobre as questões de patrimônio público nos convênios da Funasa. Mas é importante deixar claro. O GT de Saúde Indígena não cuida do patrimônio público envolvido com essa questão. Não entramos com ação de improbidade e não responsabilizamos gestores. [Fazemos] a fiscalização da política pública, mas as responsabilizações criminais, investigações por improbidade são feitas por um órgão próprio dentro do MP. Isso é bom deixar claro, porque agora, no meio da questão sobre o edital de chamamento no. 1, alguns indígenas fizeram denúncias sobre a atuação da SPDM e queriam que a gente investigasse. Essa liminar foi negada. Quando ele foi apreciar a liminar, já era na véspera do final das pactuações, dia 26 de outubro. Dessa decisão, nós agravamos e até hoje o Tribunal Regional Federal da 1ª Região ainda não apreciou. O que a gente sabe é que muitas das pessoas que estavam em área voltaram a ser contratadas pela mesma entidade.
ISA – Na sua opinião, quais são as mudanças necessárias para que se caminhe para a consolidação do subsistema de saúde indígena?
AL - O que na verdade esse chamamento fez foi regularizar a terceirização. Foi uma situação que era teoricamente boa, a ideia era moralizadora, mas a forma que foi feita foi péssima. Só que esse período tem que acabar em 12 meses. Menos mal. Aí vai entrar a segunda parte da nossa atuação. Qual vai ser a atuação quando chegar dia 1º de novembro de 2012? Já houve um concurso – de dezembro de 2009 – que foi homologado em maio de 2010, e a Sesai chamou a primeira leva agora. Já houve o primeiro chamamento e parece que eles vão fazer uma capacitação em Brasília, não sei exatamente quando. Está sendo feito um estudo de levantamento de recursos humanos da Secretaria e já foi encaminhado um pedido de proposta de lei orçamentária para o Ministério da Fazenda, sobre a carreira do profissional de saúde indígena. Eu quero crer que a Sesai não tenha sido criada para ser homogeneizante. Para isso já tinha a Funasa e ela fazia muito bem [isso]. Mas, para ser plural, para atender ao apelo dos povos indígenas, você precisa ter uma política diferenciada – coisa que o chamamento público não fez.
ISA – Não há problemas legais em realizar um edital de contratação para execução de ações complementares que na prática significam a gestão do DSEI como um todo?
AL – Tem um acórdão do TCU de 2004 [Acórdão nº 823/2004] que fala exatamente o que pode e o que não pode ser considerado como ação complementar. Esse acórdão nunca foi cumprido pela Funasa. Nós tínhamos inclusive um enunciado da 6ª Câmara, da PGR, sobre a questão das ações complementares.
ISA – Em 2007, foi firmado um TCJ do MPT com a Funasa para impedir a intermediação irregular de mão de obra. Com a manutenção da política de gestão da saúde indígena baseada em convênios e a ausência, até o momento, de concursos públicos específicos junto a Sesai, para a formação de quadros para a saúde indígena, não existe um retrocesso com relação ao acordo?
AL – Esse termo de ajustamento de conduta não foi feito pelo MPF, mas pelo MPT. Estamos tentando ingressar a lide. O que eu sei é que deveria ser 20% a cada ano até 2013 - no concurso de 2009, que já saiu no dai 30 de dezembro, se não me engano. Saiu no último dia de dezembro, só para sair o edital. Em 2010, em maio, foi homologado. Quando eles foram chamados em 2011, já estava 60% atrasado. Hoje esse ajustamento de conduta, na verdade, está sendo descumprido. Nós entendemos que é a melhor solução. O TCJ é para fazer a contratação temporária da união (CTU) por quatro anos (dois renováveis por mais dois). Hoje essa solução é a nossa segunda meta. A primeira grande briga foi a questão do chamamento público – para que você mantivesse e não piorasse o que já está. Não vai ter como, ainda assim, se livrar desse sistema de chamamento público. Só que ninguém sabe quem vai ficar, quem não vai ficar. O que a gente critica é essa falta de transparência. O sistema tinha um planejamento, mas esse planejamento não está sendo cumprido desde a transição.
Era pra ela acabar em outubro, adiou mais seis meses. Hoje o que nós vemos é que a Sesai esbarra no planejamento – que é o grande nó da saúde indígena: o Ministério do Planejamento. Enquanto não tiver autorização para fazer o concurso, não vai melhorar a situação. E nós tivemos 20% que foram chamados agora pelo concurso de 2009, não abriu novo edital. Esse é o segundo passo que tem que ser resolvido até novembro, porque em novembro ou vai ter CTU ou vamos ter novamente o problema do chamamento público. A ideia é que a CTU seja feita por cada um dos 34 DSEIs. Vão ser contratados pelo Ministério da Saúde, mas a ideia é que eles tenham autonomia administrativa e o DSEI faça a contratação com um processo seletivo simplificado na região. O problema é que hoje nós não temos a autonomia administrativa real; mal temos estrutura física, capacitação, então é mais difícil ainda.