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Antropofagia fisiológica na disputa pela presidência da Funai

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Marcio Santilli, sócio fundador do ISA

Em artigo, o sócio fundador do ISA Márcio Santilli comenta os bastidores da disputa pela presidência do órgão indigenista envolvendo ministros e a base de apoio parlamentar do governo Temer


A indicação de apaniguados políticos para cargos de confiança na administração pública é elemento constitutivo da tradição política brasileira desde Cabral. Mas nunca antes na história deste país a política indigenista havia sofrido um surto esquizofrênico tão agudo como no atual governo. Mesmo que se considere “natural” a distribuição de ministérios e direções de autarquias a pessoas indicadas pelos partidos que integram a base do governo, seria de se esperar que as nomeações representem algum tipo de acordo entre essas forças ou, pelo menos, a subordinação delas ao estilo de mando vigente.

O que vem ocorrendo na disputa pela presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) não tem precedente. A Casa Civil teria rifado o cargo para o PSC, que é um braço político do fundamentalismo evangélico e jamais atuou na defesa dos direitos dos índios ou de demandas da Funai, mas o teria aceito na sua cota de participação no governo. Para completar, o partido teria indicado um general da reserva defensor do golpe militar, Roberto Peternelli, logo recusado, e, agora, outro general, Franklimberg Ribeiro de Freitas, que seria descendente da etnia Mura, do Amazonas. A reiterada associação entre a Funai e o generalato dá uma dica sobre a concepção de política indigenista do PSC (saiba mais).

Porém, o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, que integra a cota do PSDB no governo, estaria resistindo a essas indicações e teria afirmado que o perfil pretendido para o cargo é o de alguém que tenha relações acumuladas com os índios. Teria incentivado a indicação de Noel Villas-Bôas, filho do sertanista Orlando Villas-Bôas, mais palatável ao movimento indigenista. Próceres do PSDB paulista teriam apoiado a indicação, mas sem que o partido tenha a disposição de acolher o cargo na sua cota, abrindo mão de alguma outra indicação de mesmo nível.

Para a Casa Civil, o que importa é a contabilidade dos votos no Congresso e o PSC oferece os seus em troca do cargo, enquanto o PSDB prefere outros. Não importa que os indicados desconheçam a política do setor, nada tenham a propor, produzam reação negativa na opinião pública e nem se entendam com os seus superiores. É o fisiologismo exacerbado deturpando a administração pública.

Há algumas semanas, a Casa Civil determinou à Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, que está, como a própria Casa Civil, sob o controle fisiológico do PMDB, que disponibilizasse recursos do seu orçamento para bancar o deslocamento de representantes indígenas de várias regiões para Brasília para pressionar o Ministério da Justiça pela aceitação da indicação do general do PSC à presidência da Funai. Houve reuniões na Sesai, na Câmara dos Deputados e no Ministério da Justiça, com a presença do general indicado e de deputados do PSC, mas o ministro pressionado permaneceu resistente.

O episódio acumula vários sinais negativos sobre o governo Michel Temer. Mostra que o presidente não controla ou acata a atuação arrivista do mais central dos seus ministérios; desconhece ou concorda com o uso de recursos destinados à Saúde para o financiamento do lobby de pressão de um ministério contra outro; e não impede a subversão fisiológica das políticas de Estado para segmentos sensíveis. Antes, o governo projeta uma péssima imagem do seu governo dentro e fora do país.

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