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No Dia Mundial da Água, a assessora do ISA Nurit Bensusan analisa em artigo as relações entre os dois recursos naturais mais estratégicos do país
Hoje, 22 de março, é o Dia Mundial da Água. Claro que podemos aproveitar a data para enfatizar como a conservação da biodiversidade é importante para a manutenção da disponibilidade e da qualidade da água. A vegetação nativa é fundamental, por exemplo, para manutenção do ciclo hidrológico e dos processos que permitem a preservação e recarga dos mananciais de água. Com crises hídricas graves, paulistas e brasilienses, por exemplo, estão sentindo na pele as consequências do desmatamento desenfreado para o abastecimento de água.
Mas o foco aqui é outro...
A água, todos sabem, é um bem precioso. Apesar de um preço baixo, tem um alto valor. Não custa os US$ 60 milhões que o leilão do diamante Estrela Rosa espera arrecadar, mas sua ausência pode significar a morte: ninguém vive sem água. Ainda assim – e a despeito das sucessivas e cada vez mais frequentes crises hídricas – continuamos a desperdiçar, a gastar e a desmatar sem medir as consequências.
A biodiversidade, por outro lado, não possui o reconhecimento que a água tem. A diversidade biológica ou biodiversidade é a variabilidade de organismos vivos, entre espécies e entre indivíduos da mesma espécie. Compreende ainda a diversidade de ecossistemas terrestres e aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte. Muitos acham que é possível viver sem biodiversidade. Aliás, muitos acham que para viver é melhor acabar com a biodiversidade. Mas, ainda assim, ela tem muito em comum com a água.
Como a água, a biodiversidade nos escapa entre os dedos: não percebemos o valor da biodiversidade, nem entendemos, de fato, como é possível aproveitar seu enorme potencial. O arcabouço legal que o país possui não cria condições reais para a geração de inovação a partir da biodiversidade. O fato, porém, é que a biodiversidade não serve apenas como insumo para medicamentos, cosméticos e produtos químicos. Serve, e cada vez mais, como inspiração para o desenvolvimento tecnológico. Isso vai desde a criação do velcro, inspirado em sementes de plantas que grudam nas roupas, na década de 1950, até as recém-desenhadas roupas peludas de mergulho, desenvolvidas pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, baseada nos pelos das lontras e dos castores.
Como a água, a biodiversidade é transparente: apesar do discurso, a conservação da biodiversidade não é prioritária e o Brasil segue em frente como se ela sequer existisse. Como possuir a maior biodiversidade do planeta não fosse algo que abrisse possibilidades, criasse oportunidades e oferecesse novos caminhos. Os tomadores de decisão no Brasil tratam a biodiversidade como um obstáculo transparente, para além do qual enxergam um futuro maravilhoso, moldado por grandes obras, exploração de riquezas minerais e atividades agropecuárias, todas implementadas sem os entraves do licenciamento ambiental.
Como a água, a biodiversidade pode ser contaminada, envenenada e comprometida: para além da destruição física da biodiversidade, que tem consequências óbvias, vale lembrar que como os todos os organismos desse planeta estão ligados, a destruição seletiva de espécies, ecossistemas e ambientes compromete o conjunto. Esse, por exemplo, é o caso do Ipê, explorado seletivamente na floresta Amazônica. Dado o alto preço de sua madeira e sua floração chamativa, essa espécie tem sido cortada de forma indiscriminada e sem que haja tempo para sua regeneração. É o caso, também, do Cerrado, bioma que vem sendo desmatado e rapidamente convertido em áreas de agropecuária, com o amplo uso de agrotóxicos. A destruição desse bioma terá consequências para todos os outros biomas brasileiros, não apenas por causa da relação entre os seres vivos e paisagens, mas também porque tem grande impacto sobre a disponibilidade e a qualidade da água.
Como no caso da água, a despeito de toda sua importância, não há nenhum constrangimento em adotar-se um discurso enfatizando a conservação da biodiversidade, e uma prática que destrói. O governo brasileiro faz o discurso da conservação, por exemplo, da Amazônia, mas não se constrange em, simultaneamente, diminuir suas unidades de conservação, criar entraves para o estabelecimento de novas áreas protegidas e se eximir de coibir o desmatamento.
Como a água, o dia da biodiversidade é comemorado no dia 22, não de março, mas de maio. Em ambos os casos, porém, não há o que festejar...