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Contrabando legislativo a serviço da devastação

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Maurício Guetta e Ciro Campos, assessores do ISA

Atualizado em 10/4/2017 às 18h08

Em artigo, os assessores do ISA Maurício Guetta e Ciro Campos criticam a inclusão em Medidas Provisórias de questões sem conexão com o conteúdo da norma. O texto foi publicado originalmente no caderno Direito&Justiça, do jornal Correio Braziliense, de 3/4/3017. Áreas protegidas da Amazônia podem ser a nova vítima dessa prática parlamentar em votação no Congresso marcada para esta terça (11/4)

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) definitivamente pôs fim a uma prática até então comum no Congresso: o contrabando legislativo. Por esse expediente, eram aprovadas emendas parlamentares sem qualquer relação de conteúdo com Medidas Provisórias (MPs) submetidas ao crivo legislativo. O tema ganhou ainda mais notoriedade com as investigações sobre a utilização dessas emendas para beneficiar empresas privadas. Conforme voto da ministra Rosa Weber no julgamento da ADI 5127/DF, trata-se de “procedimento marcadamente antidemocrático, na medida em que, intencionalmente ou não, subtrai do debate público e do ambiente deliberativo próprios ao rito ordinário dos trabalhos legislativos a discussão sobre as normas que irão regular a vida em sociedade”. Devido ao seu caráter vinculante, a decisão da Suprema Corte passou a impedir o Congresso de aprovar novos contrabandos legislativos, popularmente conhecidos como “jabutis”.

O cumprimento de decisões judiciais, contudo, não é prática comum para determinados representantes do povo. Aproveitando-se de MPs atualmente em discussão, parlamentares apresentaram uma série de emendas alheias ao objeto de deliberação. São enxertos que atentam contra as áreas ambientalmente protegidas, cuja manutenção é fundamental para o combate ao desmatamento e às mudanças climáticas, para a proteção da biodiversidade e dos recursos hídricos, para a subsistência de populações tradicionais, para a estabilidade do volume de chuvas e da produtividade agrícola, entre outras funções cruciais para garantir o direito fundamental da sociedade brasileira de viver num ambiente sadio e equilibrado ecologicamente, assegurado pela Constituição.

Em dezembro de 2016, o presidente Michel Temer publicou as MPs 756 e 758, cujo conteúdo produziu uma série de alterações em Unidades de Conservação localizadas na Bacia Hidrográfica do Rio Tapajós, no Pará, reduzindo seu regime de proteção ambiental. Além de serem formalmente inconstitucionais, dado que a Carta Magna determina que tais modificações só poderiam ser feitas por lei em sentido estrito, “a emenda pode acabar pior que o soneto”: todas as 15 emendas apresentadas à MP 756 e também as sete emendas à MP 758 seguem na linha da devastação ambiental, diminuindo ainda mais os limites dessas áreas protegidas ou até mesmo extinguindo-as. É o que pretendem, por exemplo, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e os deputados Nilson Leitão (PSDB-MT), Francisco Chapadinha (PTN-PA) e Zé Geraldo (PT-PA), que justificam as alterações pelo suposto interesse nacional em substituir florestas protegidas na Amazônia por atividades minerárias, agropecuárias e madeireiras.

Algumas dessas emendas surpreendem não apenas pelo conteúdo danoso ao meio ambiente, mas também pela ousadia de seus autores em apresentar contrabandos legislativos inescrupulosos, em afronta à Suprema Corte. A emenda apresentada pelo senador Dalírio Beber (PSDB-SC) e subscrita por outros 16 deputados de Santa Catarina, por exemplo, visa à redução dos limites do Parque Nacional de São Joaquim, distante milhares de quilômetros das áreas protegidas alteradas pelas citadas MPs. Vai ainda mais longe o deputado Luiz Carlos Heinze (PMDB-RS), quando tenta alterar o próprio Sistema Nacional de Unidades de Conservação, regido pela Lei 9.985/2000, para dificultar a criação de áreas protegidas no Brasil. São todas alterações que em nada se relacionam com o objeto disciplinado pelas MPs 756 e 758, sendo inconteste, portanto, o seu caráter de contrabando legislativo.

Esse cenário, somado a outras iniciativas observadas tanto no plano federal como nas esferas estaduais, evidencia uma ofensiva sem precedentes contra as áreas ambientalmente protegidas no Brasil. O contrabando legislativo, cuja vedação determinada pelo STF vem sendo rotineiramente desrespeitada no Legislativo, é apenas mais uma das formas sub-reptícias de executar o projeto maior de devastação ambiental em nome de interesses imediatistas, com prejuízos para as presentes e futuras gerações.

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