Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Se os transgênicos não pudessem causar danos à saúde e ao meio ambiente, qual seria a razão desse projeto de lei do deputado Luis Carlos Heinze que pretende esconder do consumidor a origem transgênica dos alimentos? Confira o artigo de Flávia Camargo, assessora de Política e Direito Socioambiental do ISA
Deputados aprovaram, na semana passada, uma manobra na legislação que permite que alimentos de conteúdo transgênico (organismo geneticamente modificado – OGM) não sejam identificados no rótulo. Enquanto as pesquisas avançam e demonstram os riscos da transgenia à saúde e ao meio ambiente, os deputados atendem ao lobby de empresas do agronegócio e retiram o direito dos consumidores de escolher ou não alimentos produzidos com transgênicos. O Projeto de Lei (PL) aprovado na Câmara 4.148/08 fere diretamente o Código do Consumidor, que prevê o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços. A proposta está agora no Senado.
A Lei de Biossegurança (11.105/05) previa que todos os alimentos contendo transgênicos, para consumo humano ou animal, fossem rotulados. O Decreto 4.680/03 determinou um percentual mínimo de 1% de conteúdo transgênico para a obrigatoriedade da rotulagem. Dessa forma, todos os alimentos que tivessem como matéria-prima mais do que 1% de algum OGM vegetal ou animal deveriam ser devidamente identificados.
A partir da manobra feita pela Câmara, só serão rotulados os alimentos em que for possível detectar o conteúdo transgênico por meio de análise específica. Na prática, isso torna a rotulagem uma exceção. Como a maior parte dos alimentos que contém OGM em sua constituição são ultraprocessados (como óleos e margarinas, por exemplo), a detecção da origem transgênica não é possível de ser realizada. A matéria-prima poderá ser 100% transgênica, mas em função do processo industrial de fabricação do alimento, este não mais poderá ser identificado como produto de um OGM.
Além disso, a identificação para a pequena parte dos alimentos que ainda será rotulada não mais será feita por meio do símbolo “T”, que segundo o deputado Carlos Heinze (PP-RS), autor do projeto de lei, dá a ideia de perigo e afeta negativamente a imagem da mercadoria. Se o projeto for aprovado pelo Congresso, a rotulagem desses poucos produtos será feita por meio da inscrição de uma das expressões “[nome do produto] transgênico” ou “contêm [nome do ingrediente] transgênico” que poderá ser impressa em letra do tamanho de um milímetro.
O projeto de Heinze favorece seus financiadores de campanha, empresas ligadas ao setor de agronegócio. Tornar sem eficácia a rotulagem desses alimentos é bastante conveniente para essas empresas, à medida que a comercialização de seus produtos pode estar ameaçada: 1) pelo aumento do número de consumidores preocupados com a saúde e o meio ambiente; 2) por experimentos científicos independentes que cada vez mais têm apontado evidências dos danos que os transgênicos podem causar.
A soja transgênica da Monsanto foi a primeira espécie de OGM liberada no Brasil. Essa espécie é resistente ao herbicida Roundup, cujo princípio ativo é o glifosato. Esse herbicida tornou-se o agrotóxico mais vendido no Brasil. Para não inviabilizar a produção de soja transgênica no Brasil, a Anvisa “autorizou” que os brasileiros possam consumir soja transgênica com 50 vezes mais resíduos de herbicida do que era permitido quando havia apenas a soja convencional. O limite anterior era de 0,2 partes por milhão (ppm) e, agora, passou para 10 ppm. Ao se alimentar de produtos derivados de soja transgênica, o consumidor poderá ingerir uma quantidade absurda de glifosato, substância que segundo a OMS pode causar câncer, entre outros malefícios.
A produção de transgênicos no Brasil tem sido elevada, principalmente para as espécies de soja e milho. Estima-se que mais de 90% da soja e 80% do milho produzidos no país sejam transgênicos. A área ocupada com grãos de OGM no país corresponde a cerca de 40 milhões de hectares (em torno de 70% da área total de grãos). As variedades tolerantes a herbicida correspondem a 52,4% do total de OGM semeado. Esses números demonstram o quanto o consumidor está exposto a produtos com resíduos do herbicida glifosato.
Não apenas a soja transgênica e outras espécies de OGM resistentes ao glifosato oferecem riscos. Há experimentos científicos que demonstram que o milho BT, que é resistente a insetos, apresenta sinais claros de toxicidade, tendo provocado em ratos insuficiência renal, alterações nos níveis de creatina, problemas musculares e cardíacos. Outra preocupação relacionada ao consumo de OGM diz respeito à resistência a antibióticos, tendo em vista que no processo de engenharia genética para a produção de transgênicos são utilizados genes marcadores resistentes a antibióticos. Cabe citar ainda que além de danos à saúde, há estudos que demonstram o impacto dos transgênicos no meio ambiente, com casos de contaminação genética, mortandade de insetos benéficos, surgimento de superpragas, entre outros.
Aqueles que são favoráveis aos transgênicos argumentam que esses produtos, para ser liberados ao consumo, tiveram de passar por uma série de estudos e um processo rigoroso de análise para a sua aprovação comercial. Esse argumento não corresponde à realidade. Exemplo disso foi a recente liberação, pelo Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do eucalipto transgênico da empresa Futuragene, uma subsidiária da Suzano Papel e Celulose. O Brasil terá a primeira produção comercial de árvore transgênica no mundo, sem que estudos mais aprofundados tenham sido feitos (saiba mais).
O que assistimos hoje no Brasil é semelhante ao processo de liberação de transgênicos nos EUA, primeiro país a liberar essa tecnologia. O filme “O mundo segundo a Monsanto” retrata muito bem o processo de lobby que a empresa fez para que os transgênicos fossem liberados comercialmente e demonstra também o esforço de desqualificação que a empresa empreende sobre os cientistas que descobriram danos que os organismos geneticamente modificados podem causar. O forte lobby da Monsanto e de outras empresas de biotecnologia é o mesmo. A diferença é que o Brasil foi pioneiro na regulamentação da rotulagem dos transgênicos e no momento em que, até os EUA passam a discutir a necessidade de uma rotulagem dos OGM, o Brasil passa a desconstruir a sua legislação, retirando do consumidor seu direito à informação. A Câmara aprovou o PL do deputado Heinze. Resta agora ao Senado impedir esse retrocesso.