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Nova regra de demarcação de Terras Indígenas vai diminuir a judicialização?

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Raul do Valle, coordenador de Política e Direito Socioambiental do ISA

Após meses de pressão de parlamentares e organizações ligados ao agronegócio, o Ministério da Justiça apresentou sua proposta de modificação das regras de demarcação de Terras Indígenas, sob críticas das organizações indígenas ( saiba mais). O discurso oficial, repetido à exaustão, é de que a nova regra pretende “diminuir a judicialização” dos processos de demarcação, dando a entender que isso, afinal, aceleraria o reconhecimento de direitos territoriais dos povos indígenas. Não seria, nesse sentido, uma mera sucumbência à pressão da elite agrária, mas um “aperfeiçoamento jurídico”. Será mesmo?

Quem se der o trabalho de ler a proposta identificará, logo de cara, algo inusitado para um procedimento que busca proteger direitos: já nos sete primeiros artigos a palavra “indeferimento” aparece três vezes, para tratar da demanda pelo reconhecimento de terra por parte dos índios. Embora seja um princípio de qualquer processo administrativo que avalia a demanda de qualquer interessado, desconheço outro regulamento administrativo que reitere de forma tão veemente essa possibilidade de rejeição do pedido, o que diz muito sobre os pressupostos da medida.

Segundo a proposta, se a demanda por demarcação passar por três fases de “morte súbita” sucessivas, ela desaguará na criação de um grupo de trabalho, que poderá ter até 15 membros “oficiais”, fora os assistentes que poderão ser nomeados por qualquer interessado. Não será fácil compatibilizar as agendas, que não estarão exclusivamente dedicados a esse trabalho. Como já há grupos de trabalho que estão em funcionamento há mais de oito anos, tudo indica que, com essa alteração, os processos vão se eternizar.

Mas essa não é a questão central, embora seja importante. Caso o grupo chegue a uma conclusão – e o texto do governo prevê que poderá haver posições divergentes, a serem expressas quase que em processos separados – e apresente uma proposta de demarcação, confirmando a existência de ocupação tradicional indígena, haverá um verdadeiro banquete para os advogados dos donos de terra. Com tanta gente integrando o processo, a possibilidade de tantas posições divergentes e tantas fases a serem vencidas, será mais provável a ocorrência de pequenos vícios formais – uma reunião ou visita de campo na qual o membro do Ministério da Agricultura e Pecuária não pôde participar, um edital que não foi afixado no prazo em alguma das diversas paredes de órgãos públicos que ele agora deve preencher – que farão a alegria de qualquer um que queira travar o processo. É um tipo de regra feito para não ser cumprido. Talvez propositalmente.

O equívoco (ou hipocrisia) maior do discurso oficial está em acreditar que burocratizar o procedimento administrativo redundará em menor judicialização. Tremendo engano. Ela não ocorre porque os fazendeiros se sentem injustiçados por um processo administrativo obscuro, como alegado, muito embora isso possa ocorrer pontualmente. Ela ocorre porque eles não querem perder o seu patrimônio, seja ele resultado de compra legítima de terra ou grilagem. Portanto, a única hipótese na qual a alteração de rito significaria menos ações judiciais é se ela de fato impedir a demarcação de novas terras. Se não há novas áreas a serem demarcadas, não há por que brigar na Justiça. Se, no entanto, o antropólogo, que deverá coordenar o grupo de trabalho de identificação da Terra Indígena, eventualmente conseguir coordenar a participação de todos os membros desse grupo e vencer as diversas fases, fizer seu relatório e isso redundar numa proposta de área que afete os interesses de um dono de terra, ele deverá recorrer ao Judiciário. O problema dele não é o processo, mas o seu resultado. Qualquer resultado que implique em novas terras aos índios será contestado judicialmente, já que a disputa é pela terra.

Por outro lado, a paralisação dos processos ou a eventual mutilação de propostas de demarcação para atender a interesses contrariados, que agora estarão representados no grupo de trabalho, deverão resultar em contestações judiciais por parte dos grupos indígenas interessados ou do Ministério Público Federal (MPF), a exemplo do que ocorria no período da redemocratização do país, quando, a despeito da promulgação da Constituição de 88, a política indigenista oficial ainda se mantinha militarizada.

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