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O petróleo mata

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Por Marcio Santilli, sócio-fundador do ISA

* Artigo originalmente publicado na Mídia Ninja

O debate que está rolando sobre a redução dos preços do diesel e da gasolina é um festival de equívocos promovido pelas forças políticas, ávidas por fetiches para iludir o povo com a proximidade das eleições. Enquanto o mundo inteiro promove a substituição das energias fósseis, cuja queima destrói o mundo, por meio do aquecimento global, no Brasil nossos líderes nos indicam mais caminhos, que não podem nos levar muito além do próprio pleito e que só nos trarão mais atraso e sofrimento.

O que se arma no horizonte é uma espécie de estelionato eleitoral: induzir os eleitores a votarem sob o impacto de um suposto alívio monetário imediato, para encararem uma onda de aumentos brutais logo depois. E os vencedores se verão imediatamente diante dos passivos herdados e na contramão das expectativas mundiais, sob grande pressão e sem tempo ou espaço para novas embromações.

O mais aflito é Bolsonaro, candidato à reeleição, mas com uma baita rejeição, que só piora com o aumento da inflação. Ele tenta convencer o povo que a culpa pelo aumento dos preços é dos governadores, que cobram muito ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o valor do diesel, da gasolina e dos demais derivados do petróleo.

Todo mundo sabe que é enorme o impacto do preço dos combustíveis sobre outros produtos e serviços essenciais. Só que a tendência de aumento do preço internacional do petróleo já ocorre há tempos, apesar das frequentes oscilações do mercado. Por outro lado, a desvalorização do real agrava o problema e é consequência dos precários níveis de governança que temos hoje no país.
Dependência

O pano de fundo dessa história é o alto grau de dependência dos combustíveis fósseis gerado pela opção absurda pelo transporte rodoviário de cargas e de pessoas. Num país extenso como o Brasil, a conexão entre regiões distantes, com países vizinhos e as rotas comerciais, além do transporte de massa nas grandes cidades, deveria privilegiar ferrovias, metrôs e hidrovias, reduzindo custos e emissões de gases do efeito estufa.

Essa dependência reforça o poder de pressão de segmentos específicos, como os caminhoneiros, cujo trabalho é fundamental para o giro da economia brasileira. Ao mesmo tempo, torna-os escravos do diesel, que consome parte crescente dos seus rendimentos, inviabilizando a atuação de muitos, além de atrelá-los aos piores interesses políticos. É o que o Bolsonaro pretende.

Além disso, os subsídios que estão sendo discutidos tendem a desincentivar investimentos em energias limpas e a aumentar a nossa dependência estrutural em relação ao petróleo.

E não é só a questão do petróleo. A imprevidência dos governos e a falta de cobrança pelas pessoas está levando à destruição das nascentes, ao assoreamento e à poluição dos rios, ao desmatamento desenfreado, fragilizando encostas, favorecendo inundações e reduzindo o transporte de umidade, através das chuvas, da Amazônia para o centro-sul do continente. A crise hídrica e os desastres climáticos mataram pessoas, destruíram cidades, estradas e plantações, impondo mais preços, prejuízos e sofrimentos.

Sem falar da gestão catastrófica da pandemia, da multidão de mortes evitáveis, do boicote à vacinação, do prolongamento da crise sanitária e do consequente aumento dos impactos econômicos. A postura de confronto do governo federal com os estados e municípios provou a falta de articulação também em outras ações e políticas de governo.
Gincana fóssil

Não obstante tudo isso, a sensibilidade política mostra que o impacto devastador da inflação sobre a população, em especial sobre os mais pobres, será o principal fator para a definição de voto e para o resultado da eleição. Como não se vê solução, até as eleições, para as questões estruturais, candidatos e bancadas discutem emendar a Constituição – outra vez – para isentar de impostos os derivados do petróleo.

E aí começa a gincana. Bolsonaro quer impor, por meio de emenda, a desoneração do diesel por dois anos, reduzindo, inclusive, impostos estaduais. Na Câmara, deputados oportunistas querem aumentar o rombo, ou até isentar totalmente os combustíveis. Já será difícil evitar a desoneração do gás de cozinha, mas, no Senado, já se fala em isenção total de todos os derivados do petróleo. Governadores querem um fundo público para subsidiar os preços e o Lula já avisou que, sendo eleito, vai intervir na Petrobrás para garantir mais subsídios e controlar os preços.

É óbvio que todo mundo deseja a redução dos preços dos combustíveis e do custo de vida em geral. Mas o valor do subsídio, por dois anos, pode variar de cerca de R$ 20 bilhões a mais de R$ 100 bilhões. Se as cotações do dólar e do barril do petróleo continuarem subindo, o subsídio só servirá para retardar aumentos para depois das eleições, com a distribuição dos custos entre todos e com um benefício maior para os que têm carro, caminhão ou os que mais consomem combustíveis.

O pior é que representantes legítimos dessas forças e instituições políticas estiveram em Glasgow, Escócia, novembro passado, participando da COP-26, reunião da ONU sobre mudanças climáticas, e disseram, em alto e bom som, que acelerariam a redução de emissões. Enquanto o mundo inteiro aumenta a taxação sobre os combustíveis fósseis, aqui todos brigam para ver quem subsidia mais a destruição do planeta. A COP-27 será no Egito, logo após a eleição e antes da posse do próximo presidente do Brasil. O eleito aqui no Brasil ou seu representante terá cinco minutos para desdizer tudo isso.

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