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Os Munduruku só querem uma conversa pra valer

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Raul Silva Telles do Valle, coordenador do PPDS

Assistimos a mais uma ocupação do canteiro de obras da usina de Belo Monte, em Altamira (PA), a terceira apenas neste ano (veja aqui). Mas essa teve algo diferente das outras. Primeiro, foi liderada não por grupos de pessoas diretamente impactadas pela hidrelétrica, mas por indígenas Munduruku, que vivem na Bacia do Tapajós, próximo rio amazônico a ser interrompido por grandes barragens. Segundo, os manifestantes não estão chorando sobre o leite derramado, buscando migalhas de compensação para sobreviver até a próxima ocupação, mas lutam para que possam ter o direito de opinar sobre seu futuro.

Na Bacia do Tapajós está prevista, pelo Ministério de Minas e Energia e as grandes empreiteiras associadas, a construção de 14 grandes hidrelétricas (saiba mais). Embora o status oficial dessas usinas ainda seja “em estudos”, 10 entre 10 representantes do setor elétrico sabem que a maior delas, São Luiz do Tapajós, estará no leilão de energia a ser realizado no início de 2014. Os Munduruku, povo do Tapajós (no século XIX a região era conhecida como Mundurukânia), sabem que esse plano significa sua destruição enquanto povo. Mesmo que essas usinas sejam construídas no estilo “plataforma” e a fio d´agua, como prometem os planejadores do setor elétrico, o Tapajós não será mais o Tapajós se for transformado numa sequência de 14 lagos. Toda a riquíssima vida aquática desse imenso rio tropical será severamente afetada, assim como já está acontecendo com o Rio Madeira e possivelmente ocorrerá com o Xingu.

Os Munduruku querem conversar sobre o assunto. Não querem assistir impassíveis seu destino ser definido numa prancheta de algum engenheiro ou na planilha de algum empresário. Acham-se no direito de discutir esse plano. Talvez porque vivam ali há séculos.

O governo federal, ante esse posicionamento, reage de forma ambígua. Enquanto uma parte lhes garante que quer ouvi-los antes de tomar qualquer decisão, outra parte viaja à Europa para vender as hidrelétricas, tidas como certas. Os índios acham que estão sendo enrolados. Não há como tirar-lhes a razão. Sobretudo sabendo que dentro do próprio governo naufragaram todas as tentativas de se fazer um planejamento socioambiental da expansão hidrelétrica sobre a bacia. Ante a perspectiva de ter que abrir mão de determinados aproveitamentos em prol da manutenção dos fluxos vitais da região, a velha guarda do setor elétrico, respaldada pela Presidência da República, decidiu que não queria mais brincar. Para ela, só vale fazer estudos e discussões se for para chegar à mesma conclusão a que previamente já tinha chegado.

Nesse contexto, os Munduruku estão endurecendo o jogo. Não se recusam a conversar, mas querem garantias de que essa conversa não será inútil, algo que seus interlocutores no governo não podem lhes dar. Atentos ao que acontece ao seu redor, sabem que encontros mal feitos podem ser tomados, para fins oficiais, como consultas realizadas, tal como ocorreu com Belo Monte.

O governo, por seu lado, demonstra insatisfação e está começando a tentar desqualificar o movimento, sugerindo que seus líderes querem, na verdade, manter suas atividades ilegais de garimpo no rio, que desapareceria com a construção das hidrelétricas (leia mais).

Antropólogos que conhecem os Munduruku, no entanto, refutam veementemente essa afirmação. Mesmo porque, se fosse por causa do dinheiro, não faria sentido não sentar numa mesa de negociação, pois, isso sim, as empresas estão dispostas a discutir.

Portanto, embora não se possa dizer que os líderes do movimento em Belo Monte representem toda a nação Munduruku, pois ninguém os representa dessa forma, não há dúvidas de que a ação é legítima, sobretudo pelo que expressa. De que adiantará acampar no canteiro de obras de São Luiz do Tapajós para exigir migalhas? De que adianta gritar sozinhos nas aldeias do Tapajós, se não há ninguém lá para escutá-los? Compreensível, portanto, decidir ocupar a menina dos olhos do governo federal e tentar mudar o destino que parece já estar traçado.

O que não faz sentido é a Secretaria Geral da Presidência alegar má fé dos índios por não querer conversar, enquanto o governo que ela integra continuar seguindo adiante com o plano pré-estabelecido de esquartejar o Tapajós. A essa altura do campeonato, com todo o histórico que lhe precede, quem tem de demonstrar boa fé é o próprio governo. E isso passaria, por exemplo, pela retirada da hidrelétrica de São Luiz do PAC e do leilão de 2014, com a implementação de um plano alternativo para segurar a onda da demanda por eletricidade no período de discussão, o que poderia incluir, por que não, politicas mais eficazes de redução do desperdício, subsídios à microgeração descentralizada e moratória à instalação de novas atividades eletrointensivas no País. Poderia o Ministro Gilberto Carvalho garantir algo nessa linha?

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