Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Confira artigo de Márcio Santilli, sócio fundador e assessor de Política e Direito Socioambiental do ISA, sobre o último apagão e a política energética do governo Dilma
Já está pra lá de Bagdá a hipocrisia do governo Dilma Rousseff em relação à questão energética. A ocorrência, terça-feira passada, do décimo apagão dessa gestão, já em pleno ano de reeleição, suscitou mais uma reunião ministerial emergencial para apresentar alguma satisfação à população. Do que foi tratado, transpirou pela mídia que se pretende apressar a construção de mais hidrelétricas na Amazônia.
Talvez a presidente pudesse se mancar de que o país necessita, há décadas, de um ministro da Energia. E que a importância cada vez mais decisiva da política energética para o futuro da humanidade, associada à dimensão dos conflitos que a questão já carrega no país, deveria ser suficiente para tornar urgente alguma providência. A presidente poderia aproveitar a situação patética em que o não ministro Edson Lobão colocou o governo – ao declarar peremptoriamente que o risco de um apagão seria zero, menos de 24 horas antes da queda no sistema que afetou mais de seis milhões de pessoas – e libertar o Ministério de Minas e Energia (MME) do loteamento político.
A presidente já deveria ter desconfiado que os números que baseiam as supostas prioridades estratégicas do setor energético, e que ela continua a repetir, estão furados. Que o preço da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), por exemplo, já é o triplo do que havia sido anunciado e que a quantidade de energia a ser gerada pela usina será um terço menor da que havia sido anunciada. E que os problemas e conflitos da obra multiplicam-se, que suas supostas condicionantes socioambientais não são cumpridas e que o impacto para o conjunto da sociedade será muito maior do que o anteriormente reconhecido.
Também seria um bom momento para rever a procedência da política de estímulo ao consumo de energia e para reconhecer que seria melhor para o país e mais prudente para qualquer governo incentivar a sua economia, além da sua produção nas residências, nas fábricas e nas propriedades rurais, reduzindo a demanda sobre o sistema e o impacto de suas eventuais falhas sobre a economia e a sociedade. A administração federal também impôs ao país uma politica equivocada para as energias alternativas renováveis: hoje, estamos importando etanol e, ao mesmo tempo, não há incentivos adequados para a geração eólica, de biomassa e principalmente solar, nicho em que China, EUA e Alemanha avançam a passos largos.
A presidente construiu a sua própria armadilha ao subsidiar os preços da energia, sobretudo para os grandes consumidores, indústrias produtoras de eletrointensivos, como o alumínio, por exemplo, que querem vendê-los a preços cada vez mais “competitivos” no mercado internacional, exportando energia de graça.
Além disso, o governo reduz impostos sobre a fabricação de eletrodomésticos e incentiva o aumento do consumo, alegando, de um lado, que promove o crescimento da economia e, de outro, que melhora as condições de vida de segmentos da sociedade. Mas o fato é que o crescimento econômico continua pífio e o endividamento das famílias é recorde, demostrando que, no mínimo, inexiste estratégia consistente de desenvolvimento. O governo patina na mesmice da distribuição de benesses para alguns setores econômicos, mas parece que o saco de papai Noel está esvaziando rapidamente.
Equívoco similar ocorre em relação ao petróleo, seus derivados e à indústria automobilística. Subsidiam-se os preços, ao ponto de debilitar a Petrobrás, reduz-se o IPI, infla-se o consumo, a poluição, o trânsito, o custo dos transportes, a imobilidade urbana, os acidentes e as vítimas. Não se mexe na matriz de transportes e o governo diz-se surpreso quando multidões vão às ruas demonstrar sua insatisfação com a piora da qualidade de vida nas grandes cidades.
Finalmente, voltando ao ministro Lobão, se a presidente está preocupada com as repercussões negativas do apagão, assim como de outros que ainda poderão ocorrer até as eleições, poderia fazer uma sinalização mais significativa para a sociedade despachando esse senhor de volta para casa e nomeando para o cargo alguém que agregue credibilidade, seriedade, respeito para com o cidadão. Isso não resolverá a ameaça imediata de apagão, mas enseja algo mais do que a mera manipulação de um ministério importante por figuras obscuras e por forças políticas nefastas, mais ocupadas com o tráfico de influência dentro dos governos e com relações perniciosas com empreiteiras que impõem esse modelo de grandes obras superfaturadas e garantem o financiamento das campanhas eleitorais.
Com um ministro de verdade, o governo poderia convocar as melhores cabeças e instituições do país, inclusive da academia e da sociedade civil, e promover a rediscussão das prioridades da política energética para os próximos anos, de modo mais realista, considerando a crise mundial de energia e o agravamento das mudanças climáticas.
Atropelar o já inexistente processo de licenciamento ambiental das usinas planejadas para o Tapajós, ou construir outro elefante ainda mais branco, Rio Xingu acima em relação a Belo Monte, conforme teria sido aventado na reunião emergencial, representaria, apenas, o agravamento de uma diretriz equivocada que já produziu gastos e sofrimento demais para o país. Não evitaria os apagões dos lobões e só colocaria mais e mais licitações naquelas mãos.