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No Alto Rio Negro, mulheres indígenas ceramistas lutam por sede própria

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Juliana Radler

Associação de Mulheres Indígenas da Região de Taracuá (Amirt), no Rio Uaupés, elege nova diretoria e define suas prioridades

A cerâmica Tukano produzida no distrito de Taracuá, em São Gabriel da Cachoeira (AM), é uma das mais importantes e valorizadas cadeias produtivas da arte indígena rionegrina. A tradição milenar dessa cerâmica, feita somente por mulheres e cuja produção é inteiramente natural, confere genuinidade e autenticidade às peças, de autoria de 20 ceramistas em atividade e organizadas na associação na Associação de Mulheres Indígenas da Região de Taracuá (Amirt).

Entre os dias 14 e 16 de maio, a Amirt realizou em Taracuá a sua VI Assembleia Geral Eletiva, que elegeu uma nova diretoria para comandar a associação nos próximos três anos (2019-2021). O evento contou com 180 participantes do próprio distrito e de comunidades do entorno nos Rios Uaupés e Tiquié, como Monte Alegre, Vila Nova, Colina, Matapi, Açaí e São Martinho. A chapa ganhadora recebeu 137 votos e elegeu a professora Enegilda Gomes Vasconcelos, do povo Tariano, como nova presidente, e Cléia Brasil Galvão, como vice-presidente.



“Todos nós devemos sempre participar das grandes discussões promovidas pela Amirt que existe para defender os nossos direitos, a nossa boa saúde, educação e cultura. Vamos continuar o trabalho pela sustentabilidade das nossas comunidades”, ressaltou Enegilda em seu discurso de posse. A cobertura da Assembleia foi feita pela Rede Wayuri de Comunicação Indígena e o podcast com o discurso completo da nova presidente da Amirt pode ser escutado na vigésima terceira edição do Boletim Wayuri, realizado em Português e Tukano pelos comunicadores Lucas Matos Tariano, Janete Alves Desana e Marco Antônio (Marquinhos) Tukano.

Fortalecer a cerâmica tradicional

A Amirt, fundada em 1987, é uma das mais antigas associações de mulheres indígenas no Brasil. Seu maior diferencial é o trabalho realizado pelas artistas que produzem a cerâmica a partir de uma argila especial (denominada tuiuca) encontrada somente em alguns locais pelas mulheres indígenas. Para retirar a argila para a produção das peças, as mulheres cantam e fazem benzimentos específicos de proteção. Esse ritual tradicional, segundo os participantes da Assembleia, deve ser defendido e fortalecido, assim como o contato das ceramistas com os conhecedores mais velhos para a produção das peças. Ou seja, a produção da cerâmica deve seguir tradicional, de pequena escala e valorizando os saberes ancestrais.



Para isso, foi solicitado aos parceiros presentes na Assembleia – Instituto Socioambiental (ISA) e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) - que apoiem a Amirt a fazer uma oficina de cerâmica voltada aos conhecimentos e práticas de produção de peças tendo como referência a mitologia e cultura dos povos da família Tukano Oriental. Também foi registrado que é preciso desenvolver a cadeia produtiva da cerâmica a partir de um plano de negócios, contemplando aspectos como logística, embalagem, precificação e etiquetagem, que valorize o produto como peça única, artística, indígena, amazônica, fruto da sabedoria milenar passada de mãe para filha. As etiquetas, por exemplo, precisam trazer informações sobre a autora da peça, etnia, materiais usados e data de produção. Outro desafio também é definir uma embalagem que seja ao mesmo tempo ambientalmente correta e capaz de proteger as peças até o consumidor final. Ainda foi enfatizada a necessidade de oficinas para formação das mulheres em gestão e administração de negócios.

Atualmente, as ceramistas vendem suas peças de modo independente e a maior parte da produção é vendida no mercado local e para a loja Wariró – Casa de Produtos Indígenas do Rio Negro, pertencente à Forin, localizada no Centro de São Gabriel da Cachoeira. Algumas peças também já foram enviadas para venda na Galeria Amazônica, em Manaus, após a oficina de cerâmica realizada em outubro de 2017, quando 38 mulheres de Taracuá e região participaram da atividade. Outro fruto dessa atividade será a publicação de um livreto sobre a cerâmica Tukano, que está sendo organizado pela assessoria do ISA aos moldes das publicações sobre o banco Tukano, pimenta Baniwa e arte Baniwa (cestaria de arumã e grafismos). Essa publicação visa dar maior valor agregado e divulgação à cerâmica produzida pelas mulheres indígenas da bacia do Uaupés.

Saiba mais aqui e aqui.

Sede em Taracuá

As mulheres ceramistas da Amirt desejam reconstruir a sede da associação em Taracuá para que ela possa funcionar de loja, escritório e depósito. Assim, poderão organizar a parte administrativa e comercial da associação. Além disso, como o distrito é uma localidade importante na TI Alto Rio Negro, por onde passam muitos moradores da região, profissionais em atividade e convidados, as ceramistas acreditam que podem vender suas peças de forma mais organizada e regular em Taracuá.



Nildo Fontes, do povo Tukano, diretor da Foirn responsável pela área de abrangência da Amirt (região administrativa da Coitua/Dwawi), acredita que a comunidade tem potencial também para o turismo de base comunitária, com foco na cultura e na arte da cerâmica. Com isso, a revitalização dessa sede no distrito é um projeto que vai ao encontro de planos futuros para o desenvolvimento sustentável dessa região, localizada em uma das áreas mais preservadas da Amazônia. “O modelo de governança que construímos no plano de gestão territorial e ambiental prevê esse protagonismo e representatividade das associações de base. Desejamos que a Amirt consiga desenvolver suas atividades produtivas e culturais”, frisou a liderança.

Para a reconstrução da sede, as ceramistas esperam nos próximos meses realizar junto com seus parceiros uma campanha de financiamento coletivo que permita arrecadar recursos para a nova casa e para a compra de mobiliário, computador e uma impressora. “Agora vamos colocar nossas ideias no papel, ver as contrapartidas da comunidade e montar o orçamento para que possamos fazer nossa campanha com o apoio dos nossos parceiros ISA e Foirn”, ressaltou Enegilda.

Ameaças aos direitos e representatividade

Liderança antiga da região, Maximiliano Menezes, do povo Tukano, um dos fundadores da Foirn e ex-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) esteve presente para apoiar a diretoria da Amirt na condução da Assembleia. Max, como é conhecido, incentivou ao longo dos três dias do evento a participação das mulheres, dos jovens e das comunidades nos projetos de sustentabilidade e autonomia da Amirt. Relembrando em vários momentos de sua trajetória no movimento indígena, Max aconselhou: “Liderança tem que aprender a ouvir. Tem que estar junto com as pessoas para dialogar, conversar e saber dividir as tarefas sempre”.

Diante de um cenário político adverso aos povos indígenas, Max apontou para a necessidade do diálogo entre os índios, evitando divisões fomentadas por interesses particulares que enfraquecem o movimento indígena do Rio Negro. “A Foirn é a representante legítima do Médio e Alto Rio Negro. Quem nos representa politicamente é a federação e as pessoas eleitas para serem diretoras executivas. Tem gente por aí dizendo que é representante do Alto Rio Negro e não é”, alertou.

A Amirt também aproveitou a Assembleia para fazer uma atualização em seu estatuto social, contemplando novas atividades, como a de comercialização da cerâmica. O documento está sendo revisado pela Assessoria Jurídica do Programa Rio Negro, do ISA, e nos próximos dias será registrado em cartório, junto com a Ata final da VI Assembleia Geral Eletiva. Ainda esse ano a Amirt participará de atividades relacionadas aos projetos de fortalecimento das associações e de cadeias produtivas, fruto da parceria ISA-Foirn, com apoio da União Europeia.



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