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A construção do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da Terra Indígena Yanomami (TIY) continua. De 7 a 15 de novembro cerca de 120 lideranças Yanomami e Ye´kwana se reuniram no Lago Caracaranã, Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, para a III Oficina Temática de Construção do PGTA. Nesta etapa foram discutidos a educação escolar, a saúde indígena e como vai operar a governança interna na TIY.
Para abrir as discussões sobre educação e saúde foi feita uma Linha do Tempo contando a gênese e evolução dessas duas áreas nas aldeias. A educação de antgamente visava catequizar e “converter” os índios em “brancos”. Após muita luta dos movimentos indígenas e seus parceiros, a educação escolar indígena permitiu a diversidade: a língua materna foi reconhecida como a principal, os conhecimentos dos anciões foram incorporados e novas formas de educação para além da escola foram permitidas nos Planos Políticos e Pedagógicos diferenciados.
Infelizmente, grande parte dessa evolução ficou apenas no papel e a efetivação de uma escola realmente diferenciada ainda é uma luta a ser travada. Esse panorama foi trazido pelo jornalista e historiador José Ribamar Bessa Freire, que começou sua apresentação mostrando o desenho do professor guarani Vanderson Lourenço que anuncia a escola como uma “Fábrica de fazer brancos”.
As lutas e resistências que ainda hoje os indígenas travam por uma educação diferenciada foi exemplificada por Bessa como um pé de açaí em plena tempestade. Chacoalhado pela ausência de políticas públicas, deve envergar sem quebrar, e quando o mau tempo for embora, volta a ficar de pé, resiliente, como sempre foram os povos indígenas na conquista pelos seus direitos.
Na área da saúde, outro convidado veio contribuir com sua vasta experiência, Douglas Rodrigues, médico sanitarista da Escola Paulista de Medicina, que trabalha há mais de 30 anos no Parque Indígena do Xingu. Rodrigues, que participou da criação do modelo atual dos Distritos Sanitários, falou sobre os princípios que nortearam a criação do atual Subsistema de Saúde Indígena e os entraves que esses princípios vêm encontrando hoje dentro da política governamental, como: a ausência de integração entre a biomedicina e a medicina tradicional e o controle social, que não é exercido de forma livre e plena pelos indígenas. Tanto Bessa quanto Rodrigues mostraram como os desafios da educação e saúde se tangenciam no momento em que essas áreas são centralizadas pelo Estado, e cabe aos indígenas não só cobrar por melhorias das políticas públicas, mas também reinventar sua aplicação, com inovação.
A fala dos convidados foi importante para o momento seguinte da oficina, para que os participantes pudessem pensar e escolher as propostas que irão compor o PGTA da TIY. Assim, foram montadas planilhas com as propostas acumuladas em décadas de discussões que os Yanomami e Ye´kwana já haviam realizado sobre os temas.
Os participantes foram divididos em sete grupos respeitando a diversidade linguística e étnica da TIY e as propostas foram discutidas uma a uma. Algumas foram excluídas, outras alteradas e novas propostas foram acrescentadas. Todas essas modificações foram debatidas e aprovadas em plenária com a participação de vários rrepresentantes das instituições públicas responsáveis pela efetivação dessas propostas como: a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o DSEI-Y, a Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye´kwana (FPEEYY)e a Funai de Brasília, com a participação da Coordenação Geral de Promoção da Cidadania e a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato.
A Governança Interna e o início da construção do Protocolo de Consulta da TIY foi outro tema debatido. Indígenas da etnia Wajãpi, Juruna e Kawaiweté relataram os avanços das discussões em suas aldeias sobre os protocolos que eles já elaboraram e cujas realidades são muito diferentes da dos Yanomami e dos Ye´kwana.
O consenso geral na oficina é que este fórum do PGTA está se tornando um importante meio para a tomada de decisões que afetam toda a Terra Indígena. Segundo os participantes, para aprimorar esse espaço é crucial que as discussões envolvam as comunidades e regiões que não conseguiram enviar representantes e que os acordos e decisões cheguem nas aldeias e lideranças tradicionais.
Foi notável o alto nível dos debates nessa oficina, fruto de um acúmulo importante nos últimos três anos de construção do PGTA. Esse processo já contou com quatro grandes oficinas e também com sete oficinas regionais, cada uma delas realizada em uma região diferente do território Yanomami. Para o ano que vem já estão programadas três oficinas regionais e uma grande oficina de consolidação no final de ano, para discutir e validar as propostas das oficinas anteriores.