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Grilagem, pecuária, garimpo e flexibilização da legislação provocaram o desmatamento de 39 mil hectares na bacia do Xingu entre maio e junho
Uma área maior do que o município de Belo Horizonte (MG) foi desmatada na bacia do Xingu entre maio e junho de 2019. Grilagem, avanço da pecuária, garimpo e flexibilização da legislação provocaram o desmatamento de 39 mil hectares de floresta, em um ritmo de 533 árvores por minuto.
A diminuição das chuvas no Pará permitiu uma intensificação do desmatamento no estado. O desmatamento detectado em junho dobrou em relação ao mês anterior, pulando de 10.611 hectares para 21.462. Já na porção mato-grossense da bacia, foram derrubados quase 7 mil hectares no período, sendo que 99,6% foram desmatados ilegalmente.
Os dados são do 13º boletim Sirad X, o sistema de monitoramento de desmatamento da Rede Xingu +, uma articulação de indígenas, ribeirinhos e seus parceiros que vivem ou atuam na bacia do Xingu. [Saiba mais no box abaixo e acesse aqui a publicação].
“Os recursos e o apoio institucional para fiscalização e operações de campo têm diminuído. O problema não é saber onde está o desmatamento, o problema continua sendo a falta de responsabilização dos infratores, que deixa o recado de que o crime compensa”, analisa Ricardo Abad, especialista em sensoriamento remoto ISA.
A Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, no sudeste Pará, foi a Área Protegida mais desmatada no período, com 14.891 hectares de floresta derrubada, o equivalente a 200 árvores por minuto. Nos meses de maio e junho, a APA concentrou 38% do desmatamento na bacia do Xingu e 46% a mais em relação ao mesmo período do ano passado.
Sem zoneamento e nem plano de manejo, a APA vem sendo desmatada intensamente nos últimos anos. Ao todo, a UC já teve 36% da sua área florestal convertida para outros usos - como pecuária e mineração. Essas atividades, em sua maioria concentradas nas bordas, exercem pressão sobre as áreas protegidas vizinhas, como a Estação Ecológica da Terra do Meio e o Parque Nacional da Serra do Pardo.
Andrea Coelho, diretora de fiscalização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará, afirma que o órgão está atento e tomando medidas para coibir as atividades ilegais. “Estamos diante de um contexto muito negativo para a área ambiental. A mensagem é que tudo pode: desmatar pode, explorar madeira pode, garimpo ilegal pode, etc”, comenta.
Júlio César Meyer, diretor de gestão e monitoramento do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio), não se surpreende com as altas taxas. “Infelizmente é um número alto sempre, mas muito em função do local onde a APA está localizada, no ‘arco do desmatamento’, onde tem tradicionalmente taxas elevadíssimas de desmatamento”, explica.
“Agora, isso não pode ficar assim. Isso precisa acabar. Essa é a nossa proposta”, aponta Meyer. Ele faz referência ao Grupo de Trabalho (GT) interinstitucional, ainda em processo de criação, para pensar em estratégias e desenvolver ações especificamente para a APA. “Estamos atuando em outras áreas para fortalecer a questão ambiental, como a regularização fundiária e o desenvolvimento de atividades produtivas mais sustentáveis”, explica Coelho, da Semas, que também compõe o GT.
Entre os anos 1990 e 2000, a Terra do Meio foi uma das regiões com maior incidência de grilagem no Brasil. Madeireiros começaram a invadir a região em busca de mogno e cedro, atraindo grileiros que tomavam ilegalmente grandes porções de terra.
Com a criação de Unidades de Conservação e demarcação de Terras Indígenas no território, que se conformou como o mosaico de Áreas Protegidas da Terra do Meio, o avanço do desmatamento e violência arrefeceram.
A região da APA, no entanto, permaneceu vulnerável. Maurício Torres, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) explica que a alta incidência de grilagem ali não é obra do acaso: “houve uma pressão muito grande e em nem toda área foi vedada a possibilidade de grilagem. Foi garantida uma área onde isso continuou sendo possível, a APA Triunfo do Xingu. Então o que aconteceu? Toda a grilagem da Terra do Meio concentrou-se ali”
Para ele, as altas taxas de desmatamento detectadas na região hoje estão conectadas à dinâmica de apropriação ilegal da terra: grilagem. “Qual é a maneira mais comum dos grileiros controlarem a terra? O desmatamento. Se desmata como um instrumento de empoderamento, de controle territorial”, explica.[Saiba mais]
A nova lei agrária do Pará (Lei 8.878/2019), sancionada no dia 8 de julho, depois de apenas 33 dias de tramitação na Assembleia Legislativa pode, segundo o Ministério Público Federal, facilitar a legalização de terras públicas ocupadas ilegalmente e impacta na grilagem de terras. Torres faz coro à afirmação, e alerta que com a lei, “tendem a se acirrar as dinâmicas de conflito, de violência e de desmatamento”.
Em 2017, a Agência Espacial Europeia (ESA) começou a disponibilizar gratuitamente informações sobre a Amazônia brasileira usando o satélite Sentinel-1. Esse satélite transporta um sistema de radar orbital que permite "enxergar" através das nuvens e gerar imagens de alta qualidade.
O Sirad X consiste em uma série de algoritmos que processam as informações do Satélite Sentinel-1. Ele opera em uma plataforma chamada Google Earth Engine (GEE), que processa rapidamente grandes quantidades de informação na nuvem. A equipe de analistas da Rede Xingu + examina cada local da bacia procurando visualmente por anomalias nas imagens produzidas.
Cada polígono de desmatamento é avaliado em função da sua proximidade com outros focos de degradação e com o histórico da região, e, caso necessário, são contatadas pessoas que conhecem o local para verificação em campo. A área dos polígonos é analisada complementarmente utilizando imagens ópticas dos Satélites Landsat 8 e Sentinel 2. [Saiba mais]