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Belo Monte: enquanto não houver soluções, as ocupações seguem

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Biviany Rojas

Mais uma ocupação indígena se iniciou nesta segunda-feira (3/2) e encerrou-se ontem (5/2). Desta vez, o alvo não foram os canteiros de obras de Belo Monte, mas o escritório administrativo da empresa, em Altamira (PA). Isso é certamente um indicador da permanência de problemas nunca resolvidos. Belo Monte cometeu erros no passado, que persistem e que viraram uma constante no processo. Uma vez decidido por parte do governo que Belo Monte seria construída contra o vento e contra a maré, os problemas de implantação com os indígenas começaram logo na resistência do governo em realizar consultas livres, prévias e informadas. Até hoje os indígenas da região esperam decisão do STF sobre a ausência de consulta em 2005, quando foi autorizado o aproveitamento hidrelétrico do Rio Xingu pelo Congresso, sem nenhum tipo de conversa com os povos indígenas afetados.

Um fato que se destaca desde o início do processo é a debilidade da Funai na região. Considerando todos os impactos da obra previstos sobre os povos indígenas, é inexplicável o fato de a Funai não ter sido fortalecida e melhor estruturada antes e durante a construção. Tudo faz crer que a transferência da centralidade da interlocução com esses povos para o empreendedor foi ação deliberada, deixando a marca de uma cooptação com resquícios coloniais.

A ausência de consulta foi tão grosseira e vergonhosa que em 2011 chegou a provocar uma decisão cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro. A decisão do governo de se negar a reconhecer esta decisão judicial, adotando medidas de retaliação contra o sistema interamericano, evidenciou que Belo Monte seria construída “apesar” dos povos indígenas e de seus direitos.

A falta de consulta e diálogo institucional com os povos indígenas é o pecado original desta história, mas não é o único. Depois vieram a aprovação de estudos de impacto ambiental incompletos, um licenciamento sem capacidade de fiscalizar e punir de maneira relevante as violações de direitos; a barganha do empreendedor sobre o conteúdo das ações socioambientais indígenas (o Plano Operativo do Projeto Básico Ambiental - PBA - indígena), apenas para diminuição de custos do empreendedor, o que provocou um atraso injustificável de mais de dois anos para o início das ações que deveriam prevenir e mitigar impactos aos indígenas.

Também a nefasta implantação de um “Plano Emergencial” para os indígenas, uma “mesada” de 30 mil reais entregue indiscriminadamente às aldeias da região, gerou uma fragmentação e multiplicação sem precedentes de aldeias, e consequentemente de novas lideranças indígenas. O saldo inegável de tudo isso é a instalação de uma lógica de relacionamento entre indígenas e empreendedor baseada na tensão, na desconfiança e na cooptação.

Os efeitos colaterais do “Plano Emergencial” foram tão devastadores que o DSEI (Distrito de Saúde Especial Indígena) de Altamira chegou a afirmar que a segurança alimentar das aldeias estava em risco devido ao abandono de roças e atividades tradicionais de pesca e caça e à introdução descontrolada de comida industrializada na dietas das famílias indígenas.

Nesse contexto, as ocupações indígenas ao canteiro e aos escritórios da usina viraram mecanismo banal de troca. A ausência de espaços institucionais e de garantias legais para o reconhecimento de direitos banalizou as ocupações e seus acordos clandestinos.

O conteúdo das listas de negociação são um bom indicador das falências do processo. Por um lado, as longas listas de bens como motores de barco, voadeiras, caminhonetes, televisões etc, parecem expressar o sentimento de lideranças indígenas de que eles têm direito de tirar o atraso de uma situação histórica de abandono por parte do Estado e de serem compensados pelas transformações territoriais, culturais, econômicas e sociais que estão sofrendo com a instalação da obra. Isso se explica muito bem pela ausência efetiva de um diálogo sobre compensação de danos, que devia ter acontecido dentro do processo de consulta prévia. O fato da consulta nunca ter acontecido acabou dando ‘legitimidade’ para os índios exigirem compensações para a continuidade da obra.

São recorrentes nas listas de reivindicações dos índios exigências sobre serviços públicos a que teriam direito como cidadãos, com ou sem Belo Monte. Lá aparecem exigências para construção de postos de saúde, contratação de professores, fiscalização territorial e saneamento básico das aldeias, o que indica chocante ausência absoluta do Estado, tanto no território, como no próprio relacionamento entre indígenas e empreendedor. Os direitos não poderiam ser objeto de troca nessas negociações e não obstante, são parte significativa delas.

As ocupações deveriam acabar, e com elas os espaços privados de negociação e barganha de direitos. É urgente que o governo se responsabilize por essa situação. O governo federal, em presença do Ministério Público Federal, tem a obrigação de reformatar a relação com os povos indígenas e com o próprio empreendedor para garantir a prevenção, mitigação e compensação de impactos, mas também para assumir a parte de responsabilidade que lhe cabe na prestação de serviços públicos a esta população.

Aquele chamado a colocar ordem tem que ser o próprio responsável pelo empreendimento, ou seja, o Grupo Executivo do PAC, a qual deve ter o poder de convocatória e articulação na Esplanada dos Ministérios tanto para promover o empreendimento como para garantir os direitos dos cidadãos por ele impactados.

Vale lembrar que entre as condicionantes nunca atendidas da Licença Prévia de Belo Monte estava prevista a obrigação de criar um Grupo Interministerial e Intergovernamental que deveria acompanhar as condições de instalação da obra. E dentro das condicionantes da Funai, estava prevista a criação de um grupo de trabalho no âmbito do comitê gestor do PAC, que tampouco foi instalado. Talvez, seja o momento de reconhecer a importância de cumprir com as condições do licenciamento que cabem ao Poder Público e retomar o cumprimento destas condicionantes para garantir o controle público do carro-chefe do PAC.

Entenda as principais irregularidades da questão indígena

1. Falta de consulta livre, prévia e informada. Direito de participação efetiva dos povos afetados que está garantido na Constituição Federal no Art. 232 e na Convenção 169 da OIT ratificada pelo Brasil em 2003.
2. Ausência de estudos de impacto ambiental sobre a Terra Indígena Trincheira do Bacajá. Em julho de 2012 foram encaminhados estudos complementares que não atendem aos requisitos de Avaliação de Impactos sobre as populações indígenas que dependem do Rio Bacajá, cuja foz está localizada na área de vazão reduzida do Rio Xingu por causa de Belo Monte. Por este fato ainda não superado o MPF interpôs Ação Civil Pública contra a Norte Energia, o Ibama e o BNDES em novembro de 2013.
3. Descumprimento de condicionantes da Licença Prévia (LP) por parte do Poder Público
Entre as mais graves inadimplências do Poder Público estão a falta de desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Cachoeira Seca antes do início da construção da obra e o descumprimento da obrigação de reestruturação do DSEI de Altamira.
4. Descumprimento de condicionantes da LP por parte do empreendedor
Entre os mais relevantes descumprimentos de obrigações por parte do empreendedor estão a construção das bases operativas que deviam apoiar o Plano de Proteção Territorial das TIs impactadas, e a compra da área para realocação das famílias Juruna da aldeia Boa Vista. Segundo a Funai, até dezembro de 2013, o empreendedor não tinha entregado nenhuma Base Operativa para a fiscalização, nem definido o terreno para realocação dos Juruna.
5. Atraso injustificado de mais de dois anos para o início da implantação do PBA Indígena
Entre o início da instalação da obra e a implantação das ações ambientais de prevenção, mitigação e compensação de impactos, se passaram mais de dois anos, tempo no qual os povos indígenas da região e foram expostos aos impactos da Usina e do chamado “Plano Emergencial”.

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