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Nova tecnologia desenvolvida pelo ISA, o Sirad X, consegue enxergar destruição na floresta mesmo com nuvens e debaixo de chuva. Em abril, mais de 12 mil hectares foram desmatados no Xingu, o dobro do mês anterior
O céu do Xingu fica coberto de nuvens durante boa parte do ano. As intensas chuvas do inverno amazônico, que vai de setembro a maio, impedem que os satélites monitorem as alterações no solo. E os desmatadores sabem disso: é nessa época que muitos aproveitam para destruir a floresta e evitar a fiscalização, pois acreditam que ninguém consegue enxergá-los.
Isso mudou. Desde janeiro, o ISA consegue detectar o desmatamento que acontece na Bacia do Xingu mesmo com intensa cobertura de nuvens. Por meio do Sistema de indicação por radar de desmatamento, o Sirad X, é possível monitorar a região durante o ano inteiro. “A pressão no Xingu está crescendo com a construção de empreendimentos, abertura de áreas para lavoura de grãos, intensificação da grilagem, roubo de madeira e mineração ilegal. Tomar uma medida para conseguir monitorar isso era urgente”, comenta Juan Doblas, assessor do ISA e especialista em geoprocessamento.
Enxergar através das nuvens confirmou que o ritmo de desmatamento no Xingu vem aumentando vertiginosamente. Em abril, 12.342 hectares foram derrubados, o dobro dos índices correspondentes ao mês de março. Na porção paraense, o desmatamento dentro de áreas protegidas é alarmante: dos 2.292 ha derrubados no estado, 215 foram em Terras Indígenas e 1.338 em Unidades de Conservação. A escassez dos recursos - sobretudo minério - nas regiões não protegidas, o preço crescente da terra regularizada e a fragilização dos órgãos estatais responsáveis pela proteção dessas áreas explica o avanço da exploração ilegal em TIs e UCs.
Rodrigo Balbueno, do Instituto Kabu, trabalha com monitoramento desde 2010 e acredita que o uso das imagens produzidas pelo Sirad X pode agilizar medidas de fiscalização mais efetivas. Antes do Sirad X, o usual era analisar imagens de satélite que demoravam semanas para serem processadas - e dependiam do céu sem nuvens. “Estávamos trabalhando sempre com o fato consumado. Quando a fiscalização chegava na região, a madeira já tinha ido embora e não tinha rastro de nenhuma atividade. Nossa ação era sempre posterior ao dano”, conta.
O Instituto Kabu, juntamente com o ISA, a Associação Floresta Protegida e o Instituto Raoni, compõem a Rede de Monitoramento Territorial do Xingu. As organizações vêm participando de formações para consolidar o uso dessa nova ferramenta de monitoramento remoto em seus territórios de atuação: “O pé no chão é essencial”, afirma Doblas. Todos os dados detectados pelo Sirad X são validados com os parceiros locais, a interlocução com eles é de suma importância para qualificar os resultados e encaminhar denúncias para os órgãos responsáveis.
Carlos Ansarah, da Coordenação Geral de Meio Ambiente e Recursos Naturais do Incra, já começou a usar a tecnologia no final do ano passado para monitorar invasões em assentamentos na região de Anapú (PA). “É uma ferramenta muito útil e valiosa”, elogiou. Os dados do Sirad X foram usados para pressionar por mais fiscalização na área.
A Bacia do Xingu, escopo do monitoramento do Sirad X, representa 12% da Amazônia Legal. O desafio, segundo Rodrigo Junqueira, coordenador do Programa Xingu do ISA, é expandir o trabalho para outras bacias: “Essa é a meta ideal, que tecnologias como essa possam ser utilizadas em toda a Amazônia. 12% ainda é pouco”.
As denúncias de polígonos de desmatamento para garimpo ilegal no interior da Terra Indígena Kayapó não são novidade e vêm sendo acompanhadas de perto pelo Sirad X desde o início do ano. A rapidez da abertura dessas novas áreas, no entanto, preocupa os indígenas e parceiros que atuam na região: desde janeiro, foram detectados 132 polígonos no interior da TI - 66 apenas em abril.
A elevada cotação do ouro no mercado internacional sustenta essa atividade de forte risco e que implica enormes prejuízos ambientais. O leito dos rios que atravessam o noroeste do território possui altas concentrações de ouro, o que tem provocado repetidas ‘febres’ ao longo dos anos (a mais conhecida delas foi a que originou o garimpo ‘Maria Bonita’, nos anos 1980).
A chegada da estação seca, e a consequente queda no nível dos rios da região, permitirá a passagem de maquinário pesado para essas áreas, multiplicando a velocidade e a intensidade da expansão e o prejuízo provocado.
“É preciso que haja um esforço articulado, envolvendo as instituições estaduais responsáveis pela proteção destas áreas protegidas, organizações da sociedade civil e o Ministério Público, para que esse desafio possa ser adequadamente enfrentado.Os processos investigativos precisam ser mais céleres. É preciso investigar a cadeia do ouro, assim como de outros minerais, e penalizar os cabeças desses esquemas”, alerta Adriano Jerozolimski, da Associação Floresta Protegida.
Em 2017, a Agência Espacial Europeia (ESA) começou a adquirir e disponibilizar gratuitamente informações sobre a Amazônia brasileira usando o satélite Sentinel-1. Esse satélite transporta um sistema de radar orbital que permite ‘enxergar’ através das nuvens e gera imagens de alta qualidade. Métodos tradicionais de monitoramento utilizam um sensor passivo (sensor ótico Landsat e Modis), que detecta apenas o que reflete a luz do sol. Quando há barreiras (como as nuvens), não é possível detectar o desmatamento.
O Sirad consiste em uma série de algoritmos que processam as informações do Satélite Sentinel-1. Ele opera em uma plataforma chamada Google Earth Engine (GEE), que processa rapidamente grandes quantidades de informação. A equipe de analistas do ISA examina cada local da bacia procurando visualmente por anomalias nas imagens produzidas.
Cada polígono de desmatamento é avaliado em função da sua proximidade com outros focos de degradação e com o histórico da região, e, caso necessário, são contatadas pessoas que conhecem o local para confirmar o desmatamento. O conhecimento de campo é fundamental para a validação dos dados. Após a coleta dos dados, a equipe realiza verificação em campo.