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Xinguanos entregam carta para empresas, associações e bancos interessados em investir na ferrovia. No texto, listam mais de 20 impactos sobre seus territórios e exigem seu direito à consulta
Xinguanos entregaram hoje (19), uma carta para denunciar os impactos da Ferrogrão, ferrovia que pretende se instalar entre as bacias do Xingu e Tapajós. O texto foi endereçado à empresas, associações de produtores e bancos estatais e privados - possíveis investidores do empreendimento -. Os indígenas também exigem que seu direito à Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado seja realizado antes da concessão da obra. [Leia na íntegra]
“Estamos preocupados com os impactos da obra e a forma como está sendo conduzido o processo de definição das regras de concessão da mesma, sem nenhum tipo de consideração aos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais”, alertam.
Os indígenas se reuniram em Brasília (DF) no início do mês para traçar estratégias conjuntas de atuação frente ao empreendimento - dentre elas, a solicitação de apoio do Ministério Público Federal caso o governo decida avançar com a concessão da obra sem respeitar o direito de consulta[Saiba mais]
Com quase mil quilômetros de extensão, partindo da região produtora de cereais de Sinop (MT) aos portos de Miritituba (PA), o projeto visa consolidar o novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte. Segundo os estudos de Viabilidade Técnica publicados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o traçado da Ferrogrão impactará mais de 20 áreas protegidas, entre Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
De acordo com a ANTT, a ferrovia terá uma capacidade instalada de 58 milhões de toneladas. Em relação à soja, prevê-se que a produção do grão no Mato Grosso aumente 56,2% entre 2021 e 2050. O aumento da produção de milho previsto no mesmo período equivale a 98,7% e para o farelo de soja, o aumento é de 65,19%.
“Sabemos que o valor da terra na região vai aumentar, assim como o assédio para arrendamento de nossas terras, o que deve intensificar os conflitos entre nossas comunidades e destas com os não índios”, alerta a carta.
Paralela à BR-163, a ferrovia deve acirrar conflitos fundiários e potencializar os impactos socioambientais da rodovia ainda latentes na região. O estrangulamento do Corredor de Áreas Protegidas do Xingu também preocupa os indígenas: eles temem pelos impactos sinérgicos e cumulativos com outros empreendimentos planejados e em operação na região.
A vantagem competitiva da Ferrogrão no frete para exportação de grãos (estima-se uma diminuição aproximada de 35% no valor do frete) deve estimular novas obras de infraestrutura logística para escoamento dos cereais até Sinop ou Matupá - outra possível parada da ferrovia. Esse novo fluxo de grãos vai “estrangular” o Corredor de Áreas Protegidas do Xingu, comprometendo as nascentes do Rio Xingu e intensificando o transporte de cargas da região leste para a oeste por entre as áreas protegidas. Isso ameaça a integridade territorial de todo o Corredor Xingu.
Dentre essas possíveis obras estão o asfaltamento de um trecho da MT-322 e a construção de uma ponte sobre o rio Xingu dentro das TIs Capoto Jarina e Território Indígena do Xingu (TIX). Ambas, se consolidadas, vão aumentar o trânsito de veículos e pedestres, o que pode acarretar mais atropelamentos e invasões de não indígenas dentro das áreas protegidas.
A implementação de lotes da rodovia federal BR-242 e do projeto da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) também são ameaças latentes. Os lotes 5 a 11 da rodovia federal, localizados aproximadamente a 12 quilômetros da fronteira sul do TIX, vão impactar os principais rios que formam o Xingu, além de eliminar importantes remanescentes florestais da região. A Fico, também localizada ao sul do TIX, também deve eliminar remanescentes de floresta importantes e interceptar, secar e assorear nascentes nas cabeceiras do Rio Xingu.
A ANTT se comprometeu com lideranças indígenas do Xingu a realizar a Consulta antes de avançar com o processo de concessão da obra. Alguns meses depois, no entanto, a agência alegou que não dispõe de verba nem tempo para realizar consultas com todos os povos interessados. A expectativa é que até o início de abril a o processo seja encaminhado para o TCU, quebrando o compromisso feito.
“Estamos preocupados com a possibilidade de que esse acordo não seja respeitado, considerando que o governo brasileiro tem ignorado sistematicamente o direito à consulta, sempre cedendo às pressões daqueles que se beneficiam com obras de infraestrutura desta natureza”, alertam os indígenas.
O direito à Consulta e Consentimento Livre Prévio e Informado (CCLPI) está garantido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que é lei no Brasil e não precisa de regulamentação para ser aplicada. Vários dos povos na região já têm seus próprios protocolos de consulta, como os Munduruku, os 16 povos que compartilham o Território Indígena do Xingu (TIX) e os ribeirinhos de Montanha e Mangabal.
Os indígenas atentam que somente com a consulta será possível identificar e dimensionar os impactos da Ferrogrão, “caso contrário, a viabilidade real do empreendimento e a responsabilidade socioambiental da produção de grãos no Brasil estarão seriamente comprometidas”.