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Preocupada com o futuro e com os desafios relacionados às mudanças climáticas, a Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX) iniciou no ano passado um trabalho com os jovens da região Xingu Araguaia, no Mato Grosso. Hoje, muitos jovens das zonas rurais têm escolhido migrar para as cidades. Ou por não verem perspectivas no campo ou para estudar. A ideia de envolver os jovens com a Rede de sementes teve como objetivo valorizar o conhecimento tradicional e atraí-los.
Reconhecer o conhecimento dos mais velhos e as oportunidades no campo aliada à missão da ARSX, e as possibilidades econômicas que ela oferece, são atrativos para os jovens. A Rede de Sementes do Xingu entende que o conhecimento dos indígenas, dos agricultores familiares e daqueles que vivem da terra, é essencial para a soberania alimentar e para a conservação do meio ambiente.
Em novembro do ano passado, cerca de 30 jovens participaram da I Gincana Intercultural da ARSX e por meio de uma construção participativa foi idealizado o curso “Sementes Socioambientais”. O curso aconteceu em quatro módulos ao longo do ano e quinze jovens foram convidados para participar. Eles foram protagonistas de uma pesquisa sobre a relação das mudanças climáticas com a produção de sementes florestais e os impactos em suas comunidades.
Neste mês de novembro, entre os dias 18 e 20, durante a II Gincana Intercultural da Rede, realizada em Canarana-MT, os jovens pesquisadores tiveram a oportunidade de apresentar os resultados obtidos com suas pesquisas para outros 30 jovens, da zona rural, urbana e indígenas, com relação direta ou indireta com a ARSX, convidados pelos próprios jovens pesquisadores. Através de registros fotográficos, desenhos e redações, os pesquisadores compartilharam os resultados com o grupo de convidados.
Durante a gincana, além desse momento de troca de saberes entre jovens pesquisadores e os novos integrantes, houve diversas brincadeiras numa disputa divertida entre três equipes. O objetivo é integrar todos os jovens para que possam ter uma nova atuação no próximo ano.
No decorrer do curso, os integrantes ajudaram na criação de dois jogos didáticos, tratando o tema de forma mais interativa para apoiar outros jovens do Brasil. O jogo Fenofasicus, pré-lançado no XIII Encontro Geral da Rede, já tem sua versão final e traz o tema da fenologia das plantas de forma lúdica em um jogo de cartas. Enquanto o Jogo de Tabuleiro, ainda em fase final de criação e que foi testado durante a II Gincana Intercultural, terá como objetivo a restauração da Área de Preservação Permanente de uma nascente, em um jogo de tabuleiro com perguntas sobre o meio ambiente, curiosidades da ASRX e dinâmicas interativas.
No terceiro dia da Gincana, os jovens participaram de uma expedição à Terra Indígena Pimentel Barbosa, na aldeia Ripá, do povo Xavante, e tiveram uma experiência de grande troca intercultural. Abeldo Virawê, o jovem pesquisador anfitrião, teve a oportunidade de compartilhar as atividades tradicionais de sua cultura, como canto tradicional de padrinho para afilhado, luta corporal, corrida de velocidade, arco e flecha. Os jovens visitantes também compartilharam atividades de seu povo, como luta indígena Waurá, canto tradicional Ikpeng e brincadeiras de corda.
O psicólogo e arte educador Francisco Gonsales é diretor executivo do Instituto Bacuri, parceiro da ARSX, e conselheiro fiscal da Rede. Para Francisco, a gincana foi um chamariz e o curso uma oportunidade dos jovens se apropriarem da Rede para contribuírem diante de uma nova realidade. “O importante não é somente os jovens se apropriarem para conduzir a Rede da mesma forma que vem sendo feito até aqui, mas que eles contribuam para uma nova etapa em um novo mundo com a incidência das mudanças climáticas. Nós fizemos a besteira e eles vão ter que ajudar a consertar”.
Para a consultora do Instituto Socioambiental (ISA), Raíssa Ribeiro, através do curso se percebe que os jovens passaram a dar atenção aos sinais de mudanças climáticas que antes passavam despercebidas aos seus olhos. “Começaram a criar sensibilidade para o tempo da floração, frutificação e a quantidade e qualidade dos frutos. Quando eles trouxeram os resultados da pesquisa para compartilhar com o grupo, eles perceberam que as mudanças não eram restritas apenas à sua terra. O calor, a falta de chuva, as queimadas, estão afetando toda a região e esse fato foi discutido com muita excitação por esses jovens pesquisadores. A qualidade da pesquisa é algo que me impressionou nesse curso”.
As mudanças climáticas interferem diretamente na produção e coleta de sementes florestais. Para o técnico do ISA Dannyel Sá, é extremamente importante entender as mudanças, através da conversa com os mais velhos, para saber como era, mas sobretudo é importante despertar a observação da natureza para entender como está agora e como ficará no futuro. “Ter a sensibilidade de observar os sinais da natureza. No caso da Rede, para fazer o planejamento na coleta de sementes. No âmbito geral, para aqueles que dependem diretamente do clima, para entender a época da queimada da roça, do plantio. Isso precisa estar sincronizado com a natureza. Gerar essa sensibilidade, foi na minha opinião, o principal resultado com esse curso”.
O coletor de sementes Tawaiku Juruna, 29 anos, é da etnia Yudja, do TIX. Primeiro ele conversou com os mais velhos e depois começou a observar a natureza. Tawaiku disse que os rios não estão mais enchendo como antes, as florestas estão mais secas e o solo não tem umidade.
Ele também fotografou uma lagoa com 100 metros de comprimento que fica dentro de uma ilha do Rio Xingu e que secou neste ano. “Ali nunca secava, dava peixes e nesse ano secou, ficou sem nada”.
Tawaiku acredita que são dois os motivos para secar a lagoa: mudanças climáticas e as PCHs Paranatinga no rio Culuene, tirando a força da água. “Eu preciso compartilhar essas informações de que as coisas estão mudando”.
Os relatos demonstram que o desmatamento não acabou na região Xingu Araguaia. Anderson Righi tem 21 anos, mora no PDS Bordolândia, em Serra Nova Dourada-MT. Ele é coletor há um ano. Ele observou muita queimada e desmatamento nas reservas do PDS e fazendas ao redor. “Queimadas provocadas para desmatar e formar pastagens. Como não tem cerca, eles estão invadindo as reservas que pertencem ao PDS. A lei não é imposta”.
Ana Cláudia Timóteo Barbosa, 22 anos, coletora há um ano, mora no PA Dom Pedro, em São Félix do Araguaia-MT. Em sua pesquisa, Ana Cláudia encontrou o caju em três estágios diferentes (floração, fruto verde e fruto maduro) ao mesmo tempo. “Isso não se via acontecer antes, porque tem um espaço da floração, do fruto verde e do fruto maduro. Além disso, teve espécies que florou e não vingou, abortou os frutos, acredito que pelas altas temperaturas. Então e gente foi vendo isso e aprendendo”.
Para Ana Cláudia, isso prejudica o potencial de coleta que cada coletor faz de sua área. “A gente pode levantar um potencial que depois a gente não vai ter”.
O técnico do ISA Dannyel Sá deu exemplos apresentados pelos pesquisadores durante o curso. “O canto da cigarra é um sinal de chuva, mas hoje a cigarra tem cantado e a chuva não tem vindo. No caso do conhecimento dos povos do Território Indígena do Xingu (TIX), a floração do ipê amarelo é um sinal para fazer as queimadas, porque logo depois vinha a chuva. Mas eles têm feito a queimada e a chuva não vem, o que gera incêndios incontroláveis. Os mais velhos também usam as estrelas como sinal para queimada da roça e início do plantio, porque indicam, entre outros fenômenos, a época da chuva. E a estrela está lá no ponto quando sempre chovia, mas não chove ou chove antes da hora. Fica confuso. É preciso observar para ver se isso vai se acomodar ou continuar mudando”.
Os jovens pesquisadores receberam um kit contendo um equipamento audiovisual (celulares, câmeras fotográficas ou tabletes) e entre um módulo e outro eles pesquisavam em suas comunidades a relação das mudanças climáticas com o ciclo fenológico das árvores, os ciclos anuais, a produção e qualidade das sementes, as condições ambientais e as atividades de restauração. Além de observarem e registrarem as mudanças que estão percebendo no meio em que vivem, os jovens pesquisadores tiveram a oportunidade de conversar com os mais velhos para saber como era o clima antes e como está mudando agora e como isso tem afetado suas vidas.
Nos dois primeiros módulos, realizado no primeiro semestre, o grupo se dedicou a entender o funcionamento da floresta e como os ciclos de reprodução das plantas estavam se modificando ao longo do tempo. Também observaram os ciclos anuais, desde as estações do ano, a produção agrícola e de sementes, identificando os sinais da natureza que caracterizam essas diferentes etapas. Os jovens pesquisadores também avaliaram como a produção e a qualidade das sementes são impactadas diante às mudanças no clima.
Os dois últimos módulos, realizados no segundo semestre, focaram no funcionamento comercial da ARSX e na restauração florestal. Bruna Dayanna, diretora da ARSX, compartilhou com o grupo informações sobre a relação de compra e venda das sementes. Os jovens visitaram uma área em restauração via semeadura direta de sementes implementada em 2008, na zona urbana de Canarana. Eles coletaram dados para monitoramento e avaliação do estado da área restaurada.
Os resultados foram apresentados durante a II Gincana Intercultural realizado neste mês de novembro e esses resultados, em breve, serão publicados em livro e em documentário, que trazem a perspectiva das mudanças climáticas nos contextos que esses jovens vivenciam, a zona urbana, rural e as terras indígenas.
O projeto conta com o apoio do Instituto Bacuri, da Manos Unidas, do Environmental Development Fund (EDF), da Fundação Moore, do Fundo Vale e do Fundo Amazônia.