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Xinguanos repudiam propostas do governo Bolsonaro para povos indígenas

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Isabel Harari

Lideranças do Território Indígena do Xingu (MT) se manifestam contra mudanças na política indígena. Em carta, denunciam ataques aos seus direitos e pedem apoio da sociedade civil e poder público.

200 lideranças do Território Indígena do Xingu (MT) se reuniram entre os dias 14 e 16 de março no polo Leonardo para debater o futuro dos povos indígenas. Em carta aberta, eles repudiam medidas e propostas do governo Bolsonaro e reiteram que “os povos indígenas brasileiros foram vítimas de massacres e etnocídio que até hoje impactam as nossas vidas. Não queremos passar por isso novamente”. [leia a carta na íntegra ao final do texto]



Representando oito mil pessoas de 16 povos diferentes, os participantes do encontro alertam que estão cientes das mudanças propostas pelo novo governo, como a abertura das Terras Indígenas para mineração e municipalização da saúde indígena. Eles também exigem o respeito ao direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, presente em seu Protocolo de Consulta e Plano de Gestão: “não aceitamos que sejam feitas mudanças na política indigenista sem nos consultar primeiro. O governo tem que respeitar nosso modo de vida e nossos projetos para o futuro dos nossos povos”.

As lideranças atentam para a mudança de subordinação da Fundação Nacional do Índio (Funai) do Ministério da Justiça para a recém criada pasta da Família, Mulher e Direitos Humanos, por meio Medida Provisória nº 870/2019. Eles manifestaram apoio a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (Fepoimt) que entraram com representação no Ministério Público contra a MP.

Os indígenas também rejeitaram o discurso do novo governo de “integrar os povos indígenas” e afirmam que “não é porque adotamos tecnologias dos brancos que estamos deixando de ser índios. Continuamos com nossas culturas vivas e não abrimos mão de proteger os nossos territórios”.

Eles pedem apoio do poder público, sociedade civil e Judiciário para impedir o ataque aos seus direitos. Solicitam, ainda, que a comunidade internacional pressione o atual governo brasileiro, “pois estamos nos sentindo gravemente ameaçados”, diz o texto.

Trajetória de luta

Com 58 anos completos em abril, o Parque Indígena do Xingu foi a primeira grande Terra Indígena demarcada pelo governo federal. Hoje o território engloba mais três Terras Indígenas adjacentes, demarcadas nas décadas seguintes - Pequizal do Naruvôtu, Wawi e Batovi, formando o Território Indígena do Xingu (TIX). São 2,8 milhões de hectares e oito mil pessoas que compõem uma sociobiodiversidade única em uma região de transição entre Cerrado e Amazônia.

A Associação Terra Indígena Xingu (Atix), fundada em 1995, representa os 16 povos indígenas que vivem no TIX. A associação assumiu o desafio de construir autonomia multiétnica na gestão do território e tem buscado trabalhar questões de interesse comum aos diferentes povos do Xingu, com destaque para as iniciativas de proteção, fiscalização territorial e estruturação das cadeias dos produtos da floresta. A Atix teve grande participação na reorganização do atendimento à saúde e no reconhecimento das escolas indígenas. Atualmente, ocupa diversos espaços na política indígena no plano regional e nacional.

Leia a carta na íntegra:

XINGUANOS SE POSICIONAM SOBRE MEDIDAS E PROPOSTAS DO NOVO GOVERNO PARA OS POVOS INDÍGENAS

Reunidos em Reunião de Governança Geral, os povos do Território Indígena do Xingu aprovaram Carta Aberta sobre as medidas e propostas do atual governo para a questão indígena. Segue abaixo.

CARTA ABERTA

Somos contra as mudanças na política indigenista feitas pelo novo governo.

Nós, povos do Território Indígena do Xingu (TIX), reunidos em Reunião de Governança Geral dos Povos do Território Indígena do Xingu-GGTIX nos dias 14, 15 e 16 de março de 2019 no Polo Leonardo, queremos dizer para a sociedade brasileira que estamos cientes das propostas e mudanças já feitas na política indigenista pelo novo governo e queremos manifestar nosso total repúdio.

1. A FUNAI deve continuar subordinada ao Ministério da Justiça-MJ, responsável, entre outras coisas por promover justamente JUSTIÇA a nós povos indígenas brasileiros, que tanto sofremos ao longo da história – e continuamos sofrendo – com a redução e degradação de nossos territórios causadas por séculos de políticas que promovem a destruição de nossas florestas e rios. Os povos indígenas brasileiros foram vítimas de massacres e etnocídio que até hoje impacta as nossas vidas. Não queremos passar por isso novamente.

2. A FUNAI deve continuar a ser a responsável principal, juntamente com o Ministério da Justiça-MJ, pelo processo de demarcação das terras indígenas, cumprindo com o que foi garantido na Constituição de 1988. Não aceitamos que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) assuma essa tarefa. Os ruralistas que chefiam o MAPA são contrários a demarcação de terras indígenas e não possuem nenhum conhecimento sobre a vida dos povos indígenas.

3. Do mesmo jeito, não aceitamos que o MAPA seja o responsável por se manifestar em casos de obras que impactam nossos territórios. Essa função deve continuar com a FUNAI.

4. Não aceitamos a proposta da Ministra Damares Alves de que seja criado um “grupão” de vários ministérios para analisar os processos de demarcação porque obviamente isso vai travar o andamento de todas as demarcações. O processo de demarcação deve continuar como está, na responsabilidade da FUNAI e Ministério da Justiça.

5. Somos contrários às propostas que estão sendo colocadas por representantes do governo atual que querem liberar a mineração em Terras Indígenas e o arrendamento de nossas terras para o agronegócio. Queremos continuar a proteger nossos territórios e desenvolver nossos projetos sem destruir nossa floresta. Temos nossos projetos de desenvolvimento sustentável que geram renda e respeitam os nossos conhecimentos tradicionais e o meio ambiente.

6. A SESAI, juntamente com o Ministério da Saúde, deve continuar a ser o órgão responsável pela execução da política de saúde indígena. Não aceitamos a municipalização ou outras reformas na política de saúde que nos deixariam reféns do péssimo sistema de saúde das regiões que moramos. Nós precisamos de um atendimento diferenciado para proteger as nossas famílias e não voltar a sofrer com doenças como aconteceu no passado. Os municípios da nossa região não possuem a estrutura necessária para atender a saúde indígena. Além disso, somos vítimas de preconceito e forte discriminação da população e autoridades municipais.

7. Exigimos que a FUNAI e a SESAI sejam fortalecidos de verdade, assumindo todas as suas responsabilidades. Queremos ver o orçamento e o número de funcionários da FUNAI e da SESAI subirem todos os anos, recuperando esses órgãos da péssima condição em que eles se encontram atualmente, sem interferência político partidária.

8. Não concordamos com o discurso do novo governo quando ele fala em “integrar os povos indígenas”, pois com isso eles querem dizer que devemos abandonar nossa tradição e nossos territórios para ir morar como pobres nas cidades. Não é porque adotamos tecnologias dos brancos que estamos deixando de ser índios. Continuamos com nossas culturas vivas e não abrimos mão de proteger os nossos territórios.

9. Queremos ser respeitados e ouvidos pelos governantes em respeito à Convenção 169 da OIT que nos garante o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada. Não aceitamos que sejam feitas mudanças na política indigenista sem nos consultar primeiro. Nós temos nosso Plano de Gestão e nosso Protocolo de Consulta. O governo tem que respeitar nosso modo de vida e nossos projetos para o futuro dos nossos povos.

Apoiamos a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT) que entraram com representação no Ministério Público contra a Medida Provisória nº 870/2019 do governo Bolsonaro que prejudica os povos indígenas.

Pedimos aos deputados federais e senadores, bem como ao Poder Judiciário que impeçam o atual governo de atacar os nossos direitos. Pedimos, também, a comunidade internacional que pressionem o atual governo brasileiro a respeitar os povos indígenas, pois estamos nos sentindo gravemente ameaçados pelas propostas dos governantes atuais.
Polo Leonardo, 16 de março de 2019

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