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Altamira ganhou, nesta terça-feira (11/3) sua primeira Ghost Bike como são chamadas as bicicletas brancas instaladas em locais de acidente com vítimas fatais envolvendo ciclistas. Entre as várias faixas levantadas durante a manifestação que seguiu pelas ruas empoeiradas e caóticas de Altamira, uma delas estampava a frase:"Exigimos dos governantes desenvolvimento com respeito à vida".
Aline Flor não foi a primeira ciclista vítima do trânsito de Altamira. Durante a primeira quinzena de março dois jovens morreram vítimas de acidente de trânsito. Em 2013 foram registradas 19 mortes.
Infraestrutura precária
Altamira não tem transporte público e uma frota de 15 ônibus circula em horários desconhecidos pelos moradores. Também não existem ciclovias, apesar de a maioria das crianças e jovens usarem a bicicleta para ir à escola e se movimentar pela cidade. Aline Flor trabalhava em uma loja de conveniência em um posto de gasolina e havia acabado de sair do trabalho. Pedalava em direção à sua casa quando uma caçamba que presta serviços para a prefeitura cruzou o sinal amarelo em alta velocidade atingindo-a. Testemunhas apontam que o motorista apresentava sinais de embriaguez, mas não há bafômetros na cidade para comprovar. Os órgãos de fiscalização da cidade estão carentes de infraestrutura para exercer suas funções: apenas quatro agentes do Detran são responsáveis por atender oito municípios, entre eles, Altamira. E destes funcionários, dois encontram-se de licença.
"Trata-se de um contexto perverso, pois com Belo Monte a cidade tornou-se muito difícil de se viver, insalubre mesmo, principalmente para aqueles que já moravam aqui antes da obra começar. A maioria da população transitava calmamente de bicicleta por toda a cidade. Nos últimos dois anos, a cidade foi invadida por milhares de caminhões, caminhonetes, carros e motos. Os usuários de bicicleta - por falta de opção ou por ideologia - estão sendo cada vez mais encurralados nas vias que até há pouco usavam tranquilamente", analisa o professor da Universidade Federal do Pará, Leandro Melo de Sousa. Ele é ciclista e participou de grupos de ciclistas como Pedala Manaus e StarBikers de São Paulo.
Embora o canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte esteja sendo erguido em Vitória do Xingu, é Altamira, distante 50 km, que registra o maior inchaço populacional por conta da usina. Desde que a construção teve início, em 2011, a prefeitura calcula que mais de 40 mil pessoas chegaram à cidade, embora não haja informações precisas sobre isso. A frota de veículos saltou de 22 para 44 mil neste período. Os acidentes que eram cerca de 500 em 2010 passaram a mais de mil em 2013.
Já os investimentos urbanos não acompanharam o ritmo acelerado do crescimento populacional e muito menos os compromissos assumidos com a região pelos empreendedores de Belo Monte e pelo governo. A malha viária permaneceu a mesma, apesar de 300 ônibus que transportam trabalhadores circularem todas as manhãs e todos os fins de tarde pela cidade. Aumentaram os buracos, os acidentes e os conflitos. Faz só um ano que a prefeitura determinou que os ônibus desviassem do centro da cidade, depois que os acidentes envolvendo transporte de trabalhadores atingiram a marca de um por dia, durante 2012, segundo informações do Departamento Municipal de Transito (Demutran).
As Ghost Bikes têm o objetivo de evitar que a morte de Aline Flor e de outros caia no esquecimento. O movimento de colocar as bicicletas em locais de acidentes com vítimas fatais é uma ação é realizada em todo o mundo. Em São Paulo, várias Ghost Bikes foram instaladas. Na tarde desta terça-feira, Altamira ganhou a sua primeira. Não cair no esquecimento é tudo o que os moradores que já viviam por aqui antes da terceira maior hidrelétrica do mundo se instalar na região.