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A presidente Dilma Rousseff editou uma medida provisória para acelerar a realização de acordos de leniência entre o poder executivo e empresas envolvidas em corrupção, de modo que estas não fiquem legalmente impedidas de realizar novos contratos com o governo. “Não podemos achar que destruir empresas seja uma ação adequada para combater a corrupção”, disse ela em conversa com jornalistas na quinta feira (7/01). “Nós, no Brasil, não achamos isso correto.” O governo diz que se deve separar os ilícitos cometidos por executivos do que as empresas representam para o País.
O acordo de leniência é uma figura jurídica que tem parentesco com o acordo de delação premiada, mediante o qual os réus que se disponham a reconhecer a sua culpa e disponibilizar documentos e informações que contribuam para as investigações da justiça podem vir a ter as suas penas reduzidas. Há negociações em curso entre o governo e mais de dez empresas envolvidas em escândalos apurados pela Operação Lava Jato. As medidas provisórias só podem ser editadas em situações de urgência e relevância e entram em vigor de imediato, devendo o Congresso deliberar sobre o seu conteúdo em até 90 dias após a sua edição.
É claro que uma empresa não dispõe da intencionalidade de um empresário. E se empresários podem delatar cartéis de que participam, contribuindo para a apuração do crime e para a recuperação do dinheiro roubado, é lícito supor que as empresas também podem – poderiam – disponibilizar documentos e informações, rever contratos e devolver ganhos resultantes de superfaturamento, facilitando a conclusão de processos judiciais de forma mais rápida e mais amigável em relação ao interesse público.
Porém, os acordos de leniência já estavam previstos em lei antes da edição da medida provisória e ficam dúvidas sobre o que seria tão urgente e relevante para justificá-la. O governo fala em acelerar os acordos, quando eles já estão em negociação e não sabe ao certo porque ainda não foram concluídos. Ao que parece, a alteração da lei pretende reduzir as exigências legais às empresas para a efetivação dos acordos, o que, no entanto, parece conspirar contra o interesse público.
Por exemplo, o texto da medida provisória estaria reduzindo a participação de órgão de controle, como o Tribunal de Contas da União, do processo de negociação e aprovação dos acordos de leniência, que ficaria a cargo apenas dos órgãos de controle ligados ao poder executivo, como a Controladoria Geral da União. Estaria, ainda, permitindo que várias empresas pertencentes a um mesmo cartel possam realizar esses acordos, não ficando clara a relevância da contribuição que elas poderiam dar às investigações depois que uma delas reconhecesse e desvendasse os meandros de uma ação de cartel.
Em outras palavras, se essa contribuição não estiver muito bem amarrada na lei e nas negociações de cada acordo, ficaria estabelecida a possibilidade de formação de um cartel de leniência, com as empresas pingando informações irrelevantes e segmentadas nas negociações para se safarem todas elas e os seus carteis das supostas agruras da lei. E se, nos termos atuais da lei, as instituições de controle não foram suficientes para evitar a ocorrência da corrupção na extensão e na intensidade apuradas, a sua revisão deveria ensejar o fortalecimento do controle em vez da sua redução ao âmbito do poder executivo.
Cabe questionar o que as empresas envolvidas na Lava Jato efetivamente “representam para o País”. Não preciso listá-las, pois os seus donos estão na cadeia e elas são notórias. Estiveram e estão presentes em dezenas de grandes escândalos de corrupção publicamente conhecidos. Superfaturam contratos, pagam propinas e se apropriam de grande parte da capacidade de investimento dos governos. Financiam os principais partidos políticos, lideranças e campanhas eleitorais, legal e ilegalmente, participando intensamente da corrupção política em todos os níveis de governo.
Sem falar que, estando politicamente blindadas pelos serviços eleitorais prestados, essas empresas se sentem à vontade para descumprir leis ou atropelar direitos, deixando enormes custos socioambientais para regiões e grupos sociais específicos e para a sociedade em geral, além dos custos propriamente financeiros das obras superfaturadas, do que são exemplos eloquentes as usinas hidrelétricas construídas na Amazônia, como Belo Monte. Então, há que se ver o que justifica, em caso de reincidência, generalizar e acelerar acordos de leniência.
O governo não vislumbrou igual urgência e relevância, por exemplo, em remover obstáculos legais, ou plantados em editais, à participação de empresas menores nos processos licitatórios das grandes obras. Assim como remover óbices à participação de empresas de outros países, eventualmente mais acostumadas a executar tais obras a um custo menos lesivo ao erário público. Além, claro, de combater a gincana de corrupção política engendrada e reproduzida pela atuação das empresas ora investigadas ao longo da história política recente do País.
Os empregos, a contratação de serviços, a execução de obras e os benefícios sociais e econômicos decorrem do investimento público, e não das empresas em si mesmas. Se outras empresas forem escolhidas, mobilizarão os mesmos recursos e serviços e também contratarão pessoas, sendo aparentemente menos provável que elas venham a incidir nos mesmos crimes, sobretudo se forem dados sinais bem evidentes de esgotamento da impunidade, com a qual as atualmente investigadas se habituaram historicamente.