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A iniciativa inédita reúne 50 pesquisadores espalhados pela Bacia do Rio Negro para produzir conhecimentos sobre os ciclos ecossistêmicos e possíveis mudanças ambientais e climáticas
Uma rodada de oficinas sobre monitoramento ambiental e climático mobilizou pesquisadores e conhecedores indígenas e pesquisadores-assessores do Instituto Socioambiental (ISA) na Bacia do Rio Negro, entre março e abril passados. As oficinas são parte do projeto colaborativo de pesquisa e monitoramento dos ciclos ecológicos, socioeconômicos e climáticos no noroeste amazônico. O objetivo da pesquisa é incentivar espaços de produção colaborativa de conhecimentos, conectando as comunidades ao desenvolvimento de pesquisas (e políticas) sobre as mudanças ambientais e climáticas em curso.
A pioneira iniciativa abrange um território de cerca de 300 mil km² da Amazônia, que embora distante das principais frentes de desmatamento e grandes obras, já começa a enfrentar ameaças mais abrangentes.
Partindo do pressuposto de que os povos indígenas são os principais conhecedores da região, uma rede de 50 pesquisadores ou Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (Aimas), como são chamados, iniciou o monitoramento ambiental e climático em três municípios rio-negrinos (Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira). Eles seguem uma rotina de monitoramento de temas relacionados a processos socioambientais. Cada pesquisador (a) mantém um diário de pesquisa em que anota observações, percepções, conversas, aprendizados e registros sobre temas relacionados ao regime de chuvas, nível do rio, roça, pesca, caça, ciclos de vida e reprodução de plantas, peixes e outros animais, eventos comunitários, entre outros temas de interesse. Eles elaboram em conjunto e alimentam uma base de dados comum.
“Registrar diariamente os conhecimentos que estão na cabeça dos nossos pais é importante. Estes conhecimentos serão utilizados como instrumentos de argumento para o nosso trabalho de liderança e serão base para sustento nas nossas comunidades”, afirma Juvêncio Cardoso, Baniwa do Rio Içana e Coordenador da Coordenadoria das Associações Baniwa e Coripaco (CABC).
A pesquisa colaborativa, intercultural e interdisciplinar sobre os ciclos anuais e seu manejo começou em 2005, no Rio Tiquié e é desenvolvida por comunidades e associações indígenas em coordenação com o Instituto Socioambiental (ISA). Visa descrever, analisar e compartilhar informações aliando conhecimentos indígenas a métodos científicos de registro e organização de dados. O projeto de monitoramento ambiental e climático é fruto da parceria de longo prazo entre o ISA, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), associações locais e as comunidades. A pesquisa conta com outros parceiros, cientistas colaboradores e seu financiador é a Fundação Gordon & Betty Moore.
Os Aimas constituem uma modalidade de agente comunitário, atuando na animação para as boas práticas de manejo (destinação do lixo, mapeamento das áreas de uso das comunidades e entendimentos e acordos sobre manejo dos peixes, caça, frutas silvestres etc.), na informação e na pesquisa. Eles são moradores das comunidades, de diferentes faixas etárias e níveis de formação (fundamental ou médio). Participam de um programa de formação e intercâmbio de conhecimentos através de oficinas coordenadas com o ISA. Os Aimas, como todos os moradores das comunidades, estão envolvidos em trabalhos cotidianos e dedicam-se parcialmente às atividades de pesquisa. Recebem uma bolsa de apoio à pesquisa além de alguns instrumentos de trabalho e combustível para deslocamentos necessários para execução de atividades de animação.
Durante as oficinas de monitoramento com conhecedores e comunidades, a sistematização e compreensão do conhecimento registrado nos diários se expande. Um exemplo são os ciclos ecológicos que foram reproduzidos em modelos ilustrados a partir dos registros dos pesquisadores. Comparações com ciclos passados são feitas e os conhecedores mais velhos orientam e colaboram com os Aimas durante todo o processo de sistematização e entendimento dos ciclos anuais.
Professores, agricultoras e conhecedoras de plantas, jovens estudantes e moradores das comunidades de forma geral também participaram das oficinas, apoiando e contribuindo nas reflexões sobre os temas das pesquisas. É um espaço de troca entre gerações, entre pesquisadores indígenas e conhecedores. Os agentes participam de todo o processo: desde a coleta, análises, discussão e publicação dos resultados. Não são meros coletores de dados que serão processados e analisados por cientistas profissionais.
Para o agente de manejo Roberval Sampaio Pedrosa, Tukano do Rio Tiquié, 39 anos, fazer parte da rede ajuda a valorizar a própria cultura e a respeitar mais os conhecedores. São espaços de aprendizados importantes. “Todo encontro, toda oficina, a gente ganha algum conhecimento mais profundo, mais rico do que antes, e a gente aproveita para aprender com pessoas de outras etnias”.
Um dos destaques do projeto de monitoramento é o uso de novas tecnologias como instrumento de registro. Nas oficinas foram feitos treinamentos com uso de tablets e um aplicativo de monitoramento para auxiliar o registro diário sobre clima e meio ambiente e as observações sobre os ciclos de vida e a reprodução de plantas, peixes, aves e outros animais. No Tiquié, onde o estudo dos ciclos anuais já acontece há mais de 10 anos, a novidade do uso de tablets para pesquisas socioambientais animou os pesquisadores. Para Silvaldo Navarro da Silva, Tukano do Baixo Uaupés e agente de manejo há quase três anos, as lições aprendidas nesse tempo, em especial com as novas tecnologias, são animadoras. “Aprendi a mexer com tablet, GPS, gravador de voz, a mexer com tecnologia!"
No momento, os Aimas e pesquisadores do ISA elaboram uma publicação sobre os ciclos anuais e o manejo do mundo na Bacia do Rio Negro. Além de relatos sobre as atividades das oficinas, o boletim contará com textos de cientistas de fora que apresentarão suas pesquisas para as comunidades, relatos de conhecedores da região e outros informes importantes sobre o monitoramento do clima e meio ambiente. Assim, o projeto ajuda a conectar as comunidades às redes de produção de conhecimento e políticas sobre as mudanças ambientais e climáticas, privilegiando as concepções e conhecimentos indígenas sobre o manejo do mundo.
Saiba mais
Etnobotânica aproxima conhecimentos indígenas e científicos;
Cooperação Brasil-Inglaterra promove pesquisas interculturais sobre plantas do Rio Negro.
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Boletim Pesquisa e Manejo Ambiental no Rio Tiquié nº1.