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Desmatamento cai no Xingu, mas temos o que comemorar?

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Isabel Harari

Apesar da queda, avanço do desmatamento em áreas protegidas é preocupante. Monitoramento registrou aumento de 67% em Terras Indígenas na Bacia do Rio Xingu

O desmatamento na Bacia do Rio Xingu diminuiu 12,8% entre agosto de 2016 e julho de 2017, porcentagem abaixo da tendência da Amazônia, que contabilizou queda de 16% no mesmo período. O monitoramento realizado pelo ISA registrou 122,6 mil hectares de florestas desmatadas nesse período na região. [Leia na íntegra]



As áreas protegidas que formam o Corredor Xingu de Diversidade Socioambiental são fundamentais para a proteção das florestas e dos territórios tradicionalmente ocupados e se consolidaram como escudos contra a destruição. Embora represente 54% da superfície total da bacia, pouco mais de 5% do desmatamento registrado aconteceu em seu interior.


O Corredor é um mosaico de Unidades de Conservação e Terras Indígenas, morada de centenas de famílias ribeirinhas e 26 povos indígenas que possuem um extraordinário patrimônio cultural e linguístico. Mesmo com baixos índices de desmatamento, os números preocupam. “As áreas protegidas são escudos contra o desmatamento, e justamente por isso estão cada vez mais ameaçadas”, alerta Juan Doblas, assessor do ISA.

Terras Indígenas na mira

Apesar da redução das áreas desmatadas dentro de Unidades de Conservação federais e estaduais, 57% e 50% respectivamente, o monitoramento registrou um aumento de 67% nas Terras Indígenas (TIs).

Expansão do garimpo, retirada ilegal de madeira, grilagem de terras e os impactos da hidrelétrica de Belo Monte explicam a escalada de desmatamento no interior das TIs.

Das dez mais desmatadas no período, cinco são impactadas pela implantação de Belo Monte, no Pará. A destruição das florestas vem aumentado exponencialmente desde 2011, início da construção da usina. O caso mais dramático é a TI Ituna/Itatá, morada de indígenas isolados e localizada a menos de 70 km do sítio Pimental, principal canteiro de obras da hidrelétrica. Houve um aumento de 486% entre 2016 e 2017, consequência de um processo avançado de grilagem e ocupação por parte de grupos criminosos de Altamira e Anapú.


A TI Cachoeira Seca, campeã de desmatamento há anos, acumulou 1.622 hectares de florestas destruídas no último período. A área é pressionada por grileiros e sofre com o saque de madeira - em 2016 foi retirado o equivalente a mais de 1,2 mil caminhões de madeira. A exploração madeireira, além de promover intensa degradação ambiental, impede que os Arara da TI Cachoeira Seca exerçam suas atividades produtivas em segurança: uma das frentes madeireiras, na região do Igarapé Dois Irmãos, incide sobre áreas utilizadas pelos indígenas para a coleta de castanha

A regularização fundiária das áreas protegidas e a implantação de um plano de proteção às TIs são condicionantes de Belo Monte, mas nunca foram cumpridas.

Ainda que a contribuição das TIs para o desmatamento seja pequena, 4% do total, os xinguanos estão alertas e seguem cobrando medidas efetivas de fiscalização.

Mato Grosso, terra dos grãos

O Estado do Mato Grosso apresentou uma pequena redução dos índices de desmatamento: apenas 4%. O município com maior área desmatada foi Gaúcha do Norte, seguido de União do Sul e Nova Ubiratã. Juntos esses três municípios totalizam 14.585 hectares, ou 43% de todo o desmatamento ocorrido no Estado.

No oeste da bacia, análises de satélite revelaram diversas áreas sujeitas a manejo florestal sendo convertidas diretamente para o plantio de soja e outros grãos. Na fronteira de Cláudia e Santa Helena, por exemplo, houve uma conversão de 800 hectares entre 2015 e 2017. Isso, no entanto, opera na ilegalidade. A moratória da soja, aprovada em 2006 e ainda vigente, impede a entrada no mercado de grãos vindos de áreas desmatadas recentemente no bioma Amazônia.

"Essa situação é muito grave, uma área destinada a manejar florestas estar sendo usada para o plantios de grãos. É urgente que haja uma fiscalização mais efetiva e o apoio incondicional aos órgãos responsáveis para frear o avanço da agricultura em áreas com planos de manejo florestal”, alerta Rodrigo Junqueira, coordenador do programa Xingu, do ISA.

Pará, terra da madeira

A porção paraense da bacia registrou uma queda significativa no desmatamento. Ações de fiscalização mais efetivas e a redução do preço das commodities agrícolas explicam a diminuição de 21% das áreas desmatadas no período de um ano.

A queda no desmatamento na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, que se reflete nos números dos municípios de Altamira, São Felix e na região da BR-163, é resultado de uma estratégia bem-sucedida de comando e controle focada nos pontos com maior desmatamento acumulado nos últimos anos. De quase 42.963 mil hectares de áreas desmatadas em 2016, os números caíram quase pela metade, atingindo 21.242 mil hectares. Mesmo com a tendência de redução, o valor absoluto representa 17% de todo desmatamento na bacia do Xingu.

Justiniano Netto, Secretário Extraordinário para Coordenação do Programa Municípios Verdes do estado do Pará, alerta que o principal vetor do desmatamento é o chamado “desmatamento especulativo”, a grilagem de terras. “Neste caso, o desafio é fortalecer a presença do estado e avançar no ordenamento territorial e ambiental. A agenda da fiscalização aqui é necessária para reduzir a ilegalidade”, comenta.

Apesar da diminuição geral, determinados municípios paraenses aumentaram significativamente a área desmatada. No trecho entre os municípios de Altamira e Itaituba, região de influência da BR-230, a Transamazônica, o desmatamento de 270 quilômetros quadrados em 2016 quase dobrou em um ano, passando a 525 km² .

O asfaltamento da rodovia e a manutenção das estradas vicinais provocaram o aumento do preço da terra na região e a entrada de novos ocupantes. Junto a esse processo, as ações de fiscalização em outras áreas - em Novo Progresso e a APA Triunfo do Xingu, por exemplo - deslocaram os agentes desmatadores a áreas menos vigiadas, como a Transamazônica e a região da Volta Grande do Xingu.

O saque madeireiro aparece como grande vetor de pressão na área, acompanhando a dinâmica do desmatamento. Mais de 200 quilômetros de estradas foram abertos ilegalmente na Reserva Extrativista (Resex) Riozinho do Anfrísio para extração de madeira no último ano. No mesmo período, foram registrados 159 hectares de áreas desmatadas na região.


O avanço das pautas ruralistas no Congresso também corrobora a ocupação ilegal e o consequente desmatamento na região. A edição da Medida Provisória 759, de julho de 2017, por exemplo, estimulou a incorporação ao mercado de terras de áreas em assentamentos rurais. O caso de Medicilância, onde houve um aumento de 1177% do desmatamento em assentamentos, é paradigmático. [Saiba mais]

A destruição das florestas na bacia do Xingu ainda é uma realidade. Mesmo com a diminuição do desmatamento, os números absolutos preocupam a população que ali vive e seus parceiros. “Ainda temos um longo caminho a percorrer, não há o que comemorar”, avalia Doblas.

CAR para que(m)?
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um instrumento instituído a nível nacional pelo Código Florestal. O objetivo é criar um registro de todos os imóveis rurais no país, integrando as informações ambientais em uma base de dados para viabilizar a regularização ambiental e garantir o controle, monitoramento e combate ao desmatamento no Brasil

Entre 2013 e 2017, no entanto, não houve uma alteração significativa na proporção de área desmatada dentro e fora das regiões cadastradas na bacia do Xingu, apesar da enorme expansão do CAR nesse período. Ao contrário, as análises indicam que o CAR pode estar sendo usado para legitimar a ocupação irregular de terras. “Infelizmente, por ter natureza declaratória, o CAR é utilizado de forma inadequada por quem age ilegalmente. Contudo, isso não pode desmerecer a ferramenta, que é útil e necessária para milhares de produtores legítimos, bem como para o controle ambiental e social da ocupação do território”, pondera Netto.

No Mato Grosso, mais do 70% do desmatamento acontece em áreas cadastradas. Marcelândia, por exemplo registrou 96% de área aberta em CAR. “Isso que reforça as dúvidas em relação ao poder dissuasório do CAR em relação à degradação ambiental”, aponta Doblas.

No Pará não é diferente. Apesar da grande expansão do CAR nos municípios, fruto das iniciativas lideradas pelo Programa Municípios Verdes, a dinâmica de desmatamento na região do Xingu pouco se alterou.

Estamos de olho!
Acompanhe os índices de desmatamento e degradação ambiental no De Olho no Xingu.
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