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Bye bye Brasil: de que país nos despedimos?

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Nurit Bensusan, assessora do ISA e especialista em biodiversidade

“Sonhar só pode ofender os que não sonham”
Lorde Cigano, personagem de Bye bye Brasil

Parece que estamos sempre nos despedindo de um Brasil que poderia ser e não foi. Desde que os europeus aqui chegaram. Como diz o poema de Oswald de Andrade: "quando o português chegou, debaixo de uma bruta chuva, vestiu o índio, que pena, fosse uma manhã de sol, o índio tinha despido o português…”

Os colonizadores chegaram e, imediatamente, viraram de costas para Pindorama e passaram a contemplar saudosos o Atlântico. “Pindorama”, “terra das palmeiras”, é a designação tupi-Guarani, retomada por Oswald de Andrade, para a região do litoral da América do Sul onde hoje está parte do Brasil.

Os invasores nunca chegaram, nunca entraram, nunca se permitiram… O Brasil nunca chegou neles, nunca entrou neles, nunca foi eles. Para adentrar essa terra de diversidades múltiplas, enviaram seus jagunços, seus bandeirantes, seus escravos. Para criar mais espaço vazio, sem diversidade, sem dança, sem exuberância, sem abundância, para que eles possam respirar.

Eles estão, não são…

Por séculos, lutaram para transformar a mais atlântica das matas, a mais inspirada das florestas em café, cidade, suor, sangue e sofrimento. Ampliaram o litoral, sua faixa de possibilidades. Enquanto isso, o Brasil fazia-se, cozinhava-se, fervia, fermentava, devorava e era devorado. Para o colono, coisa que os colonizadores nunca deixaram de ser, o país seguia um enigma. Sem conseguir - ou sem tentar - decifrá-lo, inúmeros brasis possíveis perderam-se.

Revelação do Brasil

Se a Atlântica ficou para trás, a Amazônia seguia sendo mistério. ”Começamos hoje um caminho novo, ainda não trilhado por ninguém. Temos diante dos olhos um véu escuro. Deixamos o mundo civilizado para viver entre índios, onças e macacos". Assim escreveu o alemão, naturalizado russo, Barão de Langsdorff, no dia 22 de junho de 1826, data da partida de sua expedição que, saindo de Porto Feliz, a 125 km de São Paulo, pelo Rio Tietê, chegaria a Santarém, no Pará, depois de inúmeros percalços.

A fase fluvial da expedição Langsdorff durou três anos, deixou mortos, feridos e cicatrizes. Lotou caixas com bichos empalhados, amostras de plantas e documentos que ficaram esquecidos por 100 anos nos porões da Academia de Ciências de São Petersburgo, na Rússia. Outras amostras, coletadas pelo biólogo alemão Ludwig Riedel, acabaram no Museu Nacional (com perdão do trocadilho, acabaram mesmo) e seus diários ainda permanecem inéditos, guardados na Biblioteca Nacional. Os escritos de Langsdorff foram, enfim, traduzidos e publicados em 1998, com um atraso de 170 anos.

A Caravana Rolidei, que conduzia os artistas por caminhos que ligavam o litoral até o coração da Amazônia, Altamira (PA) no filme Bye bye Brasil, também é uma expedição exploratória e reveladora do Brasil. Ela não coleta amostras de plantas, mas mostra modos de vida. Não descreve paisagens surpreendentes, mas emoções cotidianas. Não empalha bichos, mas revela ao olhar do brasileiro, eternamente litorâneo, o que acontece nas entranhas do país. E o que acontecia, há apenas 40 anos atrás, era um mar de possibilidades.

A rodovia Transamazônica, que acabava de rasgar a floresta, a partir do litoral nordestino, abre caminho para os sonhos dos integrantes da Caravana Rolidei. "Altamira é o centro da Transamazônica. Tem gente do Brasil inteiro indo lá para trabalhar na estrada e depois comprar terra. O abacaxi lá é do tamanho de uma jaca e as árvores do tamanho de um arranha-céu”, diz um caminhoneiro no filme. Assim, como para os trabalhadores da Transamazônica há 50 anos atrás e para os da hidrelétrica de Belo Monte, há 10 anos, Altamira é um repositório de esperanças, nunca concretizadas, perdidas em mais um brasil que poderia ter sido e não foi.

Desconhecimento da Amazônia

Se as intenções do governo Médici de alocar milhares de pessoas em agrovilas ao longo da Transamazônica mostravam um completo desconhecimento da realidade amazônica, a construção de Belo Monte mostrou que a situação segue igual. Os responsáveis pela obra e o poder público a quem cabia fiscalizar sequer sabiam que os ribeirinhos e os beiradeiros existiam, sequer desconfiavam que ali havia pessoas com modos de vida bem distintos e que não eram indígenas. Se a Transamazônica tem cada quilômetro seu manchado de sangue indígena, tantos foram os genocídios e etnocídios, Belo Monte, sucursal do inferno, gera energia a custa da destruição de mundos.

Há 40 anos, a floresta, símbolo da exuberância desse país transbordante, era o desafio a ser transposto. Bye bye Brasil despede-se também de um Brasil onde a floresta é o “inferno verde” para ver nascer um país onde a floresta tem lugar, mas é sempre um lugar de luta. 40 anos depois, esse lugar é questionado todos os dias e a floresta volta a ser tratada como uma maldição a ser conjurada, em busca de um outro Brasil. Ecos da marcha fúnebre, que ressoa há 500 anos em homenagem a Mata Atlântica, fazem-se ouvir.

Bye bye Brasil mostra aos brasileiros das grandes cidades um Brasil desconhecido que desaparece à medida que é revelado. A Caravana Rolidei mostra essa nação que vai sumindo, onde as manifestações locais dão lugar a uma cultura pasteurizada e homogeneizadora, que chega com as novelas da TV e com os modismos americanizados. O Brasil que poderia ter sido vira apenas um país de pobres. A diversidade, a exuberância, as possibilidades antropofágicas desaparecem e o país coloniza-se. Deixamos muito para trás…

Hoje, nesse mais do que assombroso 2020, onde defender uma floresta, patrimônio de todos os brasileiros, uma das maiores riqueza do país, virou um ato quase subversivo, onde respeitar a diversidade cultural é um desafio, despedimo-nos, outra vez, de um outro Brasil possível. Um Brasil que chegou, como em inúmeras outras ocasiões, a inspirar o mundo.

Deu a impressão que o colono chegou mesmo a piscar, virar a cabeça, desviar o olhar do mar e encarar a imensidão brasílica. Mas, não, foi apenas uma ilusão…

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