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“Quando eu era criança, sempre ia um coronel lá em casa falar pro meu pai que a gente não era dono da terra, que a gente estava lá de favor”
Tudo começou com dois soldadinhos de brinquedo. Vercilene Dias era pequena quando deixou o quilombo Kalunga (GO), e foi viver no Tocantins, para estudar. Quando ganhou o presente, ouviu dos padrinhos, com quem vivia, que os soldados eram bons e puniam as pessoas más. E ali, decidiu que queria ser igual a eles, para poder prender o coronel que ameaçava sua família e tentava negar seu pertencimento à terra.
“E aí não parei mais. Parece que cada passo que eu dava era um passo de realizações, de seguir em frente. Se eu tivesse pelo menos a chance de estudar, para mim acho que já era suficiente”.
O interesse pela Justiça cresceu e os soldadinhos viraram um diploma em Direito e um título de Mestre em Direito Agrário. Não sem dificuldades, se tornou a primeira quilombola do Brasil a receber ambos. “Eu sentia que ser advogada era defender os direitos da minha família, dos meus, da população quilombola que vem sendo extremamente vulnerabilizada e invisibilizada durante todos esses séculos de resistência”.
Como assessora jurídica da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), esteve entre as primeiras quilombolas do país a assinar uma ação no Supremo Tribunal Federal. Mas o pioneirismo, ela conta, apesar de gratificante, é um trajeto solitário. “A responsabilidade é muito grande, o peso é enorme. Mas é gratificante saber que eu abri o espaço para várias outras mulheres brilharem e mostrarem que a gente é capaz também de estar ocupando esses espaços”.
“Hoje, eu colho a realização de um sonho, de lutar pelos direitos dos meus como se fossem os meus direitos”, Vercilene completa. “A luta continua, porque ela é constante na nossa vida. Tem uma longa jornada ainda pela frente. Mas a força que me guia é saber que as pessoas que vão ser beneficiadas estão lá na ponta e são minha família, meus amigos, companheiros de luta.”