Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Desmatamento, garimpo e instalação de fazendas ilegais ameaçam os Piripkura; leia artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo
Os Piripkura são um povo indígena isolado e vivem no noroeste de Mato Grosso, dos quais se conhecem poucos remanescentes. Tamandua, Baita e Rita são os três sobreviventes de sucessivos massacres que se têm notícia. Tamandua e Baita permanecem isolados; Rita casou-se com um indígena Karipuna e também tem uma casa na terra indígena Piripkura. A existência de outros indígenas isolados dentro do território é possível. Os Piripkura isolados sobrevivem da caça, da pesca, da coleta e da fabricação de utensílios. Das sociedades não indígenas, utilizam apenas o facão e o machado para viverem na densa floresta.
Mas, agora, esses indígenas se apresentam como um obstáculo ao projeto de desenvolvimento predatório e estão severamente cercados pelo avanço do desmatamento, a instalação de fazendas ilegais com novas aberturas de áreas de pasto e interesses minerários. A Fundação Nacional do Índio (Funai) reconhece a existência dos Piripkura desde 1985. No entanto, somente em 2008 a terra indígena Piripkura foi interditada pela primeira vez por meio de uma portaria de restrição de uso, que garante a proteção frágil ao território, pois se trata de processo de reconhecimento territorial não concluso que se arrasta por mais de 30 anos.
Em 17 de setembro, a atual presidência da Funai publicou uma nova interdição, mas reduziu seu prazo para apenas seis meses, tempo extremamente curto para garantir a proteção do território indígena —antes as portarias variavam de dois a três anos. O prazo é exíguo para que se possa concluir os procedimentos demarcatórios ou efetivar as medidas de proteção necessárias para um território tão ameaçado.
A boiada avança sobre os dois últimos indígenas Piripkura
Projetos de infraestrutura herdados da ditadura militar ativam invasões em terras indígenas com isolados
Segundo monitoramento independente realizado pelo Instituto Socioambiental, desde agosto de 2020 até a data da última portaria da Funai ao menos 2.300 hectares de florestas foram derrubados por invasores.
O absurdo é que os Piripkura, apesar da presença da Funai, vivem coagidos em seu próprio território. Imagens de satélite mostram que as áreas de desmatamento estão próximas a refúgios utilizados pela etnia. Somente entre agosto e novembro, uma área equivalente a 4.600 campos de futebol foi queimada, abrindo espaço para futuras pastagens dentro desse território, segundo dados de satélites da Nasa.
Interesses para a exploração mineral na região da terra indígena somam-se às ameaças aos indígenas. Em levantamento realizado pela Opan (Operação Amazônia Nativa) sobre a existência de pedidos de licença para lavra garimpeira na Agência Nacional de Mineração, foi observado um aumento gigantesco no período de 2018 a 2021, da ordem de 820%.
A nova interdição de seis meses fragiliza a proteção territorial dos Piripkura. É preciso fazer valer as medidas requeridas pelo Ministério Público Federal do Estado de Mato Grosso. Os invasores devem ser retirados, e a terra indígena precisa ser identificada e demarcada. É preciso que a política do não contato e os princípios da precaução e da autodeterminação em relação aos povos indígenas isolados sejam respeitados. O povo Piripkura tem o direito de seguir existindo.
* Elias dos Santos Bigio, historiador e indigenista da Operação Amazônia Nativa (Opan)
Leonardo Lenin Santos, indigenista do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi)
Tiago Moreira, antropólogo, é pesquisador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental (ISA)