Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.
Este ano, definitivamente, foi de ataques aos direitos socioambientais. O garimpo, a grilagem e o desmatamento invadiram Terras Indígenas, Unidades de Conservação e outras áreas protegidas, colocando em risco o meio ambiente e, principalmente, os povos tradicionais. Mas teve também muita luta. Em 2021, também não faltou resistência organizada contra os retrocessos. O povo continuou resistindo nas ruas, em suas casas, nas florestas e quilombos.
O Fique Sabendo dessa quinzena relembra ataques, lutas e resistências que marcaram o último ano na pauta socioambiental. Confira a retrospectiva:
No primeiro dia do ano, Bolsonaro vetou trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estabelece as leis e prioridades de orçamento para o ano Entre os gastos não prioritários, estavam a produção e distribuição de vacinas para a Covid-19, a imunização e o combate à pandemia dentro das Terras Indígenas.
Como resposta, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) lançou uma nota incentivando a vacinação dos povos indígenas, com a campanha #vacinaparente, como contraponto à política anti vacina e ciência do governo Bolsonaro.
No mês seguinte, em fevereiro, Arthur Lira (PP) foi eleito presidente da Câmara dos Deputados. Mal havia tomado posse, e Jair Bolsonaro exigiu prioridade total na aprovação do PL 191/2020, que libera a mineração em terras indígenas.
Enquanto isso, indígenas Yanomami e organizações parceiras organizaram a campanha Fora Garimpo, Fora Covid, para pedir a expulsão de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami e denunciar o colapso da saúde indígena em meio à pandemia da Covid-19.
Dando início a um ano marcado por perseguições a lideranças e organizações indígenas, a sede da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku - Wakomborum, em Jacareacanga, no Pará, foi depredada e saqueada após denúncias de atividade garimpeira em território indígena.
Segundo nota divulgada pela Associação, as ameaças já vinham ocorrendo e haviam sido denunciadas ao poder público local, que nada fez. De acordo com levantamento do ISA, entre 2019 e 2021, o garimpo devastou mais de dois mil hectares na TI Munduruku, representando um aumento de 363%.
Os ataques às mulheres indígenas mostram como a luta tem se ampliado cada vez mais. O protagonismo das mulheres indígenas foi reafirmado diversas vezes ao longo de 2021. A série #ElasQueLutam, do ISA, lançada em março, conta histórias de vida de mulheres indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Confira aqui!
Em abril, o presidente Jair Bolsonaro enviou uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmando que sua gestão assumiu metas ambiciosas e está comprometida com a preservação ambiental. Na Cúpula do Clima, Bolsonaro disse que o Brasil está na vanguarda contra o aquecimento global, porém, os fatos mostram o contrário das afirmações.
Desde o início de sua gestão, Bolsonaro tem promovido o desmonte sistemático de órgãos ambientais. Ainda em abril, os resultados de três anos de monitoramento da Rede Xingu+ mostraram que, entre 2018 e 2020, 513,5 mil hectares foram desmatados na bacia do Xingu. Desse total, 66,5 mil ha foram detectados em Terras Indígenas da região. Se verificou também uma intensificação dos conflitos fundiários
Apesar dos retrocessos, os povos indígenas seguem resistindo. No Abril Indígena, aconteceu o 17º Acampamento Terra Livre, em formato online, durante 25 dias. Organizado pela Apib e outras organizações, o acampamento deixou o recado de que “em um mundo doente e enfrentando um projeto de morte, nossa luta ainda é pela vida”.
Ainda que Jair Bolsonaro tenha afirmado que a Amazônia não pega fogo por ser uma floresta úmida, os dados divulgados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais) em maio mostraram o contrário.
O total de focos de queimadas registrados na Amazônia Legal foi 49% maior que o número registrado no mesmo mês em 2020. Enquanto em 2020 foram registrados 1.798 focos de fogo na floresta, esse número pulou para 2.679 em 2021.
Muitas das queimadas da floresta amazônica são resultado da ação humana e cabe destacar a importância de plataformas que monitoram esse tipo de ação. É o caso da plataforma Alertas+, que conecta dados socioambientais e rastreia alertas como desmatamentos, garimpos e queimadas em Terras Indígenas e Unidades de Conservação da Amazônia Legal.
Em junho, a perseguição a lideranças indígenas se intensificou. O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier, pediu que a Polícia Federal (PF) investigasse o líder indígena Mário Parwe Atroari, representantes dos Waimiri Atroari (autodenominados como kinja) sob a acusação de que estariam atrasando o projeto do Linhão, que prevê a instalação de uma rede de energia entre Manaus e Boa Vista.
O Ministério Público Federal já havia arquivado, em maio, a denúncia de lideranças indígenas críticas ao governo Bolsonaro, que alegava “difamação” contra o governo, citando nomes como Almir Suruí e Sônia Guajajara
Em julho, quando se completam seis anos do crime ambiental e da tragédia de Mariana (MG), a arrecadação com os royalties da mineração dispararam. De acordo com o MapBiomas, a área de mineração no Brasil cresceu mais de seis vezes nos últimos 36 anos.
A área onde a mineração mais se expandiu foi a Amazônia. Atualmente, o bioma concentra a maior parte das áreas mineradas no Brasil: a cada quatro hectares minerados, três estão na Amazônia, ou 72,5% do total.
Nesses locais, as áreas de proteção ambiental e as Terras Indígenas são as mais afetadas. Entre 2010 e 2020, a área ocupada por garimpo em Terras Indígenas cresceu 495%; em Unidades de Conservação, o crescimento foi de 301%.
Nesse mesmo ano, o (Movimento dos Atingidos por Barragens) MAB completou 30 anos na defesa de populações vítimas de crimes ambientais como o rompimento da barragem em Mariana. Confira mais sobre a história do Movimento:
Retrocesso:
Em agosto, Bolsonaro disse que quem tiver um terreno no fundo de casa deve tomar cuidado porque “se um índio resolveu montar uma oca de um dia para o outro, no dia seguinte você tem que demarcar como terra indígena”.
Falas foram ditas ao longo de todo o ano, mas se tornaram frequentes com a votação do Marco Temporal. A tese ignora expulsões e remoções forçadas ocorridas no passado e coloca em risco o direito fundamental aos povos originários, que é a terra.
Desde o início do governo Bolsonaro, a demarcação de terras indígenas foi bloqueada, cumprindo a promessa de campanha de “nenhum centímetro a mais”.
Enquanto o Marco Temporal era discutido no STF, a mobilização nacional “Luta pela Vida”, que ocorreu entre os dias 22 e 28 de agosto, contou com a presença de mais de 6000 pessoas acampadas. Estiveram presentes mais de 170 povos indígenas de todas as regiões do país reunidos e somando forças.
Que nosso dia seja de conquistas e de reafirmação de direitos. Nossa história não começou em 1988. Nossa LUTA é contínua e de muita RESISTÊNCIA! #MarcoTemporalNao #PL490Nao
— Joenia Wapichana (@JoeniaWapichana) August 25, 2021
Durante o mês de setembro, a discussão sobre o Marco Temporal continuou em pauta. O presidente, que é favorável à tese, disse em uma live que iria defender o Marco Temporal na ONU. No entanto, recuou em seu discurso na 76ª Assembléia-Geral da ONU e não citou o tema.
Nesse mesmo mês, aconteceu a 2ª Marcha das Mulheres Indígenas contra o Marco Temporal, que teve como temática “Mulheres Originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra”. Participaram do encontro mais de cinco mil mulheres de 172 povos indígenas.
O mês ainda contou com o lançamento do manifesto “Reflorestarmentes”, feito pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), junto com a Apib.
Em outubro, um estudo realizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e pelo Instituto Socioambiental (ISA) mostrou que a sobreposição de Cadastros Ambientais Rurais (CARs) de imóveis privados incide em 43% da área total de territórios quilombolas no Vale do Ribeira, em São Paulo.
Seja por pressão ou por falta de informação, grande parte desses territórios quilombolas foi cadastrada com as mesmas especificidades que se cadastram imóveis privados, limitando a gestão do território tradicional.
Enquanto isso, o projeto “Rede de Sementes do Ribeira”, seguiu promovendo a coleta de sementes e o reflorestamento da Mata Atlântica, gerando renda para 33 famílias. As sementes coletadas são utilizadas em projetos de reflorestamento com plantio de muvuca ou vendidas para viveiros que produzem mudas.
A iniciativa é tocada pelas comunidades quilombolas André Lopes, Bombas, Maria Rosa e Nhunguara desde 2017, e conta com o apoio do Instituto Socioambiental. Os quilombolas seguem resistindo, plantando as florestas do futuro.
Em novembro, se cobfirmou o terceiro ano consecutivo de aumento do desmatamento ilegal desde o início dos anos 2000, conforme dados do PRODES/Inpe, divulgados apenas após o final da COP 26.
Dentre as Terras Indígenas mais desmatadas, a TI Apyterewa, dos Parakanã, figura em primeiro lugar, com mais de 68km² desmatados entre os anos de 2020 e 2021.
Durante a COP26, quando os dados ainda não haviam sido lançados, mulheres indígenas e jovens brasileiras soltaram a voz para denunciar a gestão de Bolsonaro. Ainda que os espaços de deliberações da COP26 tenham sido abertos apenas aos chefes de Estado, jovens ativistas indígenas chamaram a atenção pelos debates levantados dentro e fora dos corredores da conferência. Txaí Suruí e Alice Pataxó foram destaques da representação indígena jovem.
Resistência:
Mas teve luta!
As frentes de proteção indígenas seguiram organizadas para coibir a ação de invasores em terras indígenas, tais como os Guardiões da Floresta, grupo de indígenas maranhenses que se arriscam a defender contra invasores os territórios dos Guajajara, Ka'apor e grupos isolados Awa Guajá e também a Associação Kanindé de Defesa Etnoambiental, que trabalha ao lado de povos indígenas da Amazônia.
2021 ainda não acabou, e ainda há a ameaça da aprovação na Câmara do Deputados o pacote do "PL da grilagem”, projetos de Lei (PLs) nº 2.633/2020 e 510/2021, que por pressão ruralista, pode fazer com que o crime de roubo de terras públicas ganhe legalidade constitucional.
Infelizmente, nos últimos anos vivemos retrocessos socioambientais sem paralelo. Sabemos, ainda, que a pandemia escancarou as mazelas e desigualdades socioambientais da nação, e o novo “normal”, por vezes, acabou por reproduzir outros abismos de opressão e segregação.
Apesar de tudo, houve luta, sentido comum de vida, solidariedade e muita resistência.
Por isso, para 2022, reafirmamos:continuaremos resistindo, imaginando e agindo em prol de possíveis, SOCIOAMBIENTALMENTE justos e onde caibam a todas e todos!