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A quem interessa proteger as florestas brasileiras?

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Raul Silva Telles do Valle

No último dia 6 de julho foi aprovado, por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, a proposta de alteração do Código Florestal brasileiro em seus pontos principais. Embora esse projeto ainda tenha que ser aprovado no plenário da casa e passar pelo Senado para se transformar em lei, preocupa o fato de que tenha contado com o apoio de 13 dos 18 deputados da comissão, mesmo sabendo-se que esta era dominada por membros da bancada ruralista.

O projeto parte do suposto que a conservação de florestas é simplesmente um ônus ao produtor e à produção agropecuária, um encargo que onera o país e nos torna menos competitivos no mercado internacional de commodities agropecuárias. Nesse sentido abre as portas para que sejam perdoados praticamente todos os desmatamentos ilegais já ocorridos, o que implica não só a anulação de multas já aplicadas mas, muito mais grave, o fim da obrigação de recuperar essas áreas, como exige a legislação atual. Basta que se reconheça que a vegetação nativa deu lugar a uma ocupação “consolidada”, o que, pelo projeto, abrange desmatamentos ilegais feitos até julho de 2008. Uma vez regularizadas, as ocupações deixam de estar ilegais.

Mas, como as leis da natureza não podem ser modificadas por caprichos humanos ou interesses corporativos, essas ocupações, mesmo legais, continuarão sendo imprudentes. Assim, por exemplo, as plantações de cana e as vilas residenciais situadas às margens do rio Mundaú, em Alagoas, vão continuar sendo alagadas nas fortes chuvas, pois, sem um mínimo de cobertura florestal na paisagem, as águas continuarão escorrendo rapidamente às calhas dos rios, que, cada vez mais assoreados, terão cada vez menos capacidade de abrigar a água que recebem sem transbordar e, uma vez transbordando, continuarão a levar tudo o que existir pela frente, inclusive casas e pessoas que indevidamente ocuparam suas áreas naturais de inundação.

A lei atual proíbe a ocupação de áreas de risco e ainda exige que em todos os lugares exista um mínimo de vegetação nativa. Se tivesse sido cumprida, seguramente, seriam muito menores os estragos ocorridos em Alagoas, em Angra dos Reis, no Vale do Itajaí e em todos os outros lugares que entram e saem rapidamente dos noticiários quando começam as temporadas de chuva.

Aliás, esse é o centro do problema que, infelizmente, não será resolvido pelo projeto aprovado. Grande parte dos produtores rurais do país estão irregulares com relação à legislação florestal, ou seja, não respeitaram a preservação das áreas por ela determinada. Isso significa que há um grande número de pessoas que estão, neste momento, prestando um “desserviço ambiental” à sociedade, assoreando rios, matando nascentes, derrubando encostas, extinguindo a biodiversidade. A grande maioria não faz porque quer, mas porque foi levada a essa situação por uma longa sequência de equívocos e omissões por parte do Poder Público e da sociedade como um todo, cujo detalhamento não cabe nesse artigo.

Todos queremos que esses produtores rurais deixem de estar na ilegalidade, ou seja, que possam cumprir o que a lei exige, e, assim, não só parem de sofrer com multas e embargos impostos pelos órgãos de fiscalização, como passem a efetivamente proteger os recursos naturais existentes em seus imóveis, vitais ao bem-estar da sociedade como um todo.

No entanto, o deputado Aldo Rebelo, autor da proposta aprovada, insuflado pelos ruralistas e apegado a um suposto nacionalismo, viu nas florestas apenas obstáculos. Assim, não se preocupou em propor medidas para que os proprietários hoje irregulares possam cumprir a lei e, como consequência, proteger os bens ambientais que ela visa tutelar. Pelo contrário, simplesmente abriu brechas para que, mesmo praticando um mau uso da terra, qualquer proprietário possa estar de acordo com a lei e, portanto, formalmente regularizado. Assim, caso a proposta seja finalmente aprovada, as enchentes, os rios secos, as áreas desertificadas, as espécies extintas, passarão a ser “legais”. Será esse nosso caminho?

Raul Silva Telles do Valle é advogado e coordenador adjunto do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA

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