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Meia volta, volver: ministro da Defesa quer ressuscitar "grupão"

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Márcio Santilli

Em audiência pública havida em 4 de março, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, o ministro da Defesa, José Viegas, propôs que o procedimento administrativo para a demarcação das terras indígenas fosse alterado, transferindo-se do Ministério da Justiça para um grupo interministerial a competência para definir os seus limites. A proposta prevê o retorno do chamado “grupão”, responsável pelas demarcações antes da promulgação da Constituição.

Disse o ministro: “Até 1991, quando da edição do Decreto nº 22/1991, o processo para demarcação de terras indígenas contava com a participação, em todas as fases que antecediam o ato demarcatório, de representantes de Ministérios e órgãos interessados, o que proporcionava uma efetiva oportunidade de manifestação por todos aqueles diretamente interessados na questão. O processo atual, na forma do Decreto nº 1775/1996, não contempla, até o momento do ato demarcatório, tal concertação. Uma participação mais articulada do Poder Público certamente contribuirá para a melhor maturação das medidas propostas e para a redução das controvérsias decorrentes da sobreposição de interesses envolvidos com o ordenamento do território em questão”.

Na verdade, o Decreto nº 1775 prevê a participação de outros órgãos da administração desde a primeira etapa do processo demarcatório, que é a de identificação da terra indígena a ser demarcada por um grupo técnico designado pela presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). Diz o § 4º do seu artigo 2º: “O grupo técnico solicitará, quando for o caso, a colaboração de membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos para embasar os estudos de que trata este artigo”. E o § 5º do mesmo artigo diz: “No prazo de trinta dias contados da data da publicação do ato que constituir o grupo técnico, os órgãos públicos devem, no âmbito das suas competências, e às entidades civis é facultado, prestar-lhe informações sobre a área objeto de estudo”.

Ainda segundo este decreto, após a identificação pela Funai da área a ser demarcada, a sua proposta de limites deve ser publicada no Diário Oficial da União, abrindo-se, então, novo prazo para a eventual contestação destes limites por quaisquer interessados. Diz o § 8º do mesmo artigo já citado: “Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o parágrafo anterior, poderão os estados e municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal de assistência ao índio razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior” (grifos nossos). E é só após esta etapa que o processo demarcatório segue para o Ministério da Justiça para que seja tomada a decisão política sobre os limites a serem, em seguida, demarcados fisicamente.

Finalmente, o que o ministro da Defesa não disse ao Senado é que, sob a égide do tal “grupão”, as demarcações caminhavam a passos de tartaruga, ficavam travadas em função de interesses contrariados, ou implicavam na redução arbitrária da extensão das terras indígenas, em evidente descumprimento da Constituição, e promovendo a proliferação de conflitos em todo o país, do que foi exemplo flagrante o genocídio praticado contra o povo Yanomami antes da demarcação das suas terras.

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