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Morales dribla direitos indígenas e troca consulta prévia por referendo geral

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Biviany Rojas

A polêmica construção de uma estrada no Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Sécure (TIPNIS) coloca em teste os verdadeiros alcances dos direitos dos povos indígenas na Bolívia.

Financiada pelo banco brasileiro BNDES, a obra deve abrir o território e parque indígena para exploração de madeira e plantações de coca. Essas consequências estão sendo denunciadas por mais de mil e quinhentas pessoas que promovem uma Marcha a La Paz, a capital da Bolívia. Há cerca de 40 dias homens, mulheres e crianças saíram de Trinidade dispostos a caminhar mais de 600 quilômetros até o palácio presidencial. A obra significa o fim da integralidade do território indígena e o começo de um processo de ocupação e degradação de uma área plenamente conservada até hoje, na qual moram os povos Chimán, Mojeño e y Yuracaré.

Por se tratar de uma obra de infraestrutura que evidentemente afeta povos e territórios indígenas, não cabe dúvida sobre a obrigação do Estado boliviano de consultar as instituições representativas destes povos sobre a decisão de construir a estrada. O direito de consulta livre, prévia e informada está claramente estabelecido na Constituição Política da Bolívia (Artigo 352), bem como na legislação ambiental e indigenista vigente no país (Lei 3.760 e Lei 1.333). A construção da estrada afronta a legislação boliviana, até então um exemplo no respeito aos direitos dos seus povos indígenas.

Por isso, causou surpresa, nesta segunda-feira (26/9), o anúncio do presidente Evo Morales de convocar um referendo nos departamentos de Cochabamba e Beni como resposta aos protestos liderados pela organização indígena da Amazônia boliviana, a Confederação de Povos Indígenas da Bolívia (CIDOB). Leia mais. Leia também aqui..

A resposta do presidente é incoerente com a principal demanda dos participantes da marcha, que reivindica consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas atingidos pela construção da estrada no seu território, nos termos estipulados na própria Constituição Política da Bolívia. Eles se negam a aceitar que seja por imposição das urnas que se intervenha em seu território.

O BNDES tampouco poderia financiar um projeto que claramente desconhece direitos fundamentais dos povos indígenas. O banco brasileiro não deveria aceitar que um plebiscito com a população geral substitua o direito de consulta aos povos indígenas. Isso é contrário aos próprios compromissos do banco de respeitar princípios socioambientais e exigir dos projetos por ele financiados o cumprimento dos mesmos princípios.

Parece que o presidente Morales prefere apelar a seu poder eleitoral antes de levar a sério os direitos dos povos indígenas. A proposta do presidente é equivalente a fazer um referendo no Estado de Mato Grosso para saber se toda a população concorda, ou não, com a proposta de construir uma estrada no meio do Parque Indígena Xingu com o objetivo de facilitar o escoamento da produção de soja, importante produto de exportação brasileiro. É fácil imaginar o resultado final das urnas. Pois é isso mesmo o que Evo Morales se propõe a fazer com o referendo de Cochabamba e Beni, em vez de consultar as autoridades representativas dos povos indígenas que marcham para La Paz em defesa de seu território e de seu direito de decidir sobre o futuro de seus povos.

No fim, Evo Morales achou uma maneira eleitoral de driblar direitos indígenas. Um tempo atrás, teria sido difícil imaginar tal iniciativa vinda do único presidente indígena da região.

Acompanhe ao vivo as informações que vêm de Yucumo, onde os manifestantes ainda se negam a dispersar a marcha.

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