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O Brasil está se preparando para receber a Copa do Mundo, mas Altamira não se preparou para receber Belo Monte

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ISA - Instituto Socioambiental

A constatação foi expressa por uma liderança xikrin durante as negociações, nos dias 9 e 10 de julho, entre a empresa Norte Energia e os líderes indígenas que ocupavam o sítio Pimental, em Belo Monte, no Pará, por 21 dias.

É mesmo difícil explicar porque a mais importante obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), planejada há décadas pelo governo federal, não conseguiu preparar a região de Altamira (PA) para receber a terceira maior hidrelétrica do mundo. Um ano depois da autorização para a construção da hidrelétrica, mais de 300 indígenas, de seis etnias diferentes ficaram acampados em um dos principais canteiros de obra da usina para exigir o pagamento de indenizações pelos danos já causados e os impactos irreversíveis da obra.

Se de um lado, a parceria da empresa Norte Energia com o Estado Brasileiro se mostrou muito competente para promover a retirada de ribeirinhos, pequenos, médios e grandes agricultores das áreas onde estão sendo construídos os canteiros de obras e o canal, de outro não foi eficiente para promover a retirada de invasores das Terras Indígenas da região, ação que deveria ser prévia à Licença de Instalação. Para citar apenas um exemplo da falta de compromisso e cuidado com os povos indígenas.

Durante o processo de negociação com a empresa, lideranças indígenas de diferentes povos deixaram claro que não estão dispostas a aceitar a usina de Belo Monte em troca de direitos como educação, saúde, saneamento básico, infraestrutura, proteção, fiscalização e gestão territorial. Os povos indígenas sabem muito bem que têm direito a tudo isso, com ou sem Belo Monte.

De sua parte, a empresa pretende que os indígenas atingidos pela obra se conformem com a implantação do componente indígena do Projeto Básico Ambiental (PBA-CI) que praticamente se confunde com as obrigações do Estado, à exceção de alguns poucos planos relativos a medidas de mitigação muito específicas, como a transposição de embarcações ou a substituição de atividades produtivas.

(Veja o parecer da Funai que aprova o PBA-CI)

O ponto da negociação que os indígenas reivindicam é a indenização por danos irreparáveis e irreversíveis. Dizem respeito às transformações na região em que vivem decorrentes da obra, que obrigará esses povos indígenas a transformarem e/ou adaptarem seu modo de vida, com impactos imensuráveis sobre seus padrões culturais tradicionais.

A demanda de indenização não pode ser confundida com as ações mitigatórias previstas no PBA indígena ou mesmo com as obrigações do poder público e de suas políticas para as populações indígenas.

As reivindicações indenizatórias dos indígenas aparecem nas negociações em vários momentos e são apresentadas sob diferentes formatos.

Incluem listas com os objetos de desejo do momento, propostas para pagamento vitalício de salários mínimos por família, pagamento de valores altos que funcionariam como um fundo para cada aldeia, ou a manutenção dos R$ 30 mil mensais, instituído pela Norte Energia e denominado “Plano Emergencial”, que consiste no desembolso mensal dessa soma para cada uma das 28 aldeias “beneficiadas” pelo plano.

O presidente da Norte Energia, Carlos Nascimento, repetiu insistentemente durante a negociação realizada entre os dias 9 e 10 de julho, que apesar de não estar autorizado a aprovar indenizações, os indígenas precisam ter claro que sem Belo Monte eles não teriam nenhum dos “benefícios” anunciados no PBA-CI, da mesma forma que no passado não tiveram nenhum tipo de assistência por parte do Estado.

Para tanto, Nascimento pediu a colaboração e a confiança dos indígenas para poder “ajudá-los” e para levar para eles os “benefícios” do progresso.

O impasse que a empresa e o governo sofrem sistematicamente com os povos indígenas desde o começo das obras dificilmente não vai se esgotar com a liberação dos canteiros de obra, conforme as negociações. O descompasso e os desencontros de expectativas vão continuar.

Vale a pena lembrar que em novembro do ano passado esses mesmos indígenas foram até a cidade de Altamira e ameaçaram paralisar Belo Monte em troca do aumento das verbas emergenciais em valor e em número de aldeias, as quais vêm multiplicando-se desde que a empresa ofereceu recursos fixos por aldeia independentemente do número de famílias em cada uma delas.

A ausência de uma discussão franca, aberta e transparente sobre os impactos reais da obra sobre suas vidas, impossibilitou discutir e se estabelecer uma indenização para os povos indígenas.

O modelo atual em que estão se dando as discussões sobre indenizações passa a imagem de que os índios estão extorquindo a empresa, no entanto, parece tratar-se de um deplorável esquema de cooptação de lideranças indígenas por parte da empresa.

As manifestações de força que vêm sendo adotadas pelos povos indígenas, como a ocupação do canteiro de obras, podem ser entendidas como decorrência da não realização do direito à consulta livre, prévia e informada, que lhes foi negada desde o início do processo.

Se os povos indígenas tivessem sido adequadamente escutados no momento certo, provavelmente uma indenização formal teria sido definida, assim como um formato de negociação mais transparente, decente e com maior controle social.

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