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A polêmica sobre o Trecho Sul do Rodoanel obra em licenciamento na Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo - não recai sobre se a rodovia deve ou não ser construída. O problema é outro. O que se defende é a adoção pelo governo do estado de um projeto que evite que a rodovia seja construída sobre as fontes de água da cidade de São Paulo, que são escassas e já estão no seu limite máximo da degradação ambiental. O Instituto Socioambiental acredita que a implantação de infra-estrutura para suavizar o tráfego de cargas na Região Metropolitana de São Paulo por mais estratégica que seja - não pode prejudicar o abastecimento de água de seus milhões de habitantes.
O Rodoanel é uma importante infra-estrutura viária e vem sendo apresentado como uma das principais prioridades do governo de São Paulo. Após a construção de todos os trechos (sul, norte, leste), o anel viário será uma rota alternativa para a parcela dos caminhões que não tem a região metropolitana como destino. A conclusão dos três trechos, contudo, está prevista apenas para 2020. O Trecho Sul, o único cujo processo de licenciamento está em andamento, terá 57 quilômetros de extensão e cortará os municípios de Embu, Itapecerica da Serra, São Paulo, São Bernardo do Campo, Santo André, Ribeirão Pires e Mauá. No município de São Paulo, o traçado proposto passa pelos distritos do Grajaú, Jardim Ângela e Parelheiros.
Apesar de ainda não ter os R$ 2,6 bilhões necessários para sua construção, o governo estadua tem pressa para liberar suas licenças ambientais. O atual traçado proposto para o Trecho Sul, vale lembrar, atravessa de ponta-a-ponta as áreas de mananciais das represas Billings e Guarapiranga, no extremo sul da região metropolitana. Estas áreas são fundamentais para o abastecimento de água de 5 milhões de pessoas. Apesar de sua função estratégica e vital, estes mananciais apresentam altos índices de poluição, o que põe em risco a saúde de toda a população.
No Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Trecho Sul do Rodoanel, apresentado pela Dersa, a área de influência direta do empreendimento sobre as mananciais é de 178 milhões de metros quadrados (o equivalente a 17 mil campos de futebol). Na Guarapiranga, a área impactada pelo empreendimento no entorno da represa corresponde a três vezes sua área total e a 12% de sua bacia hidrográfica - que é a região que compreende as nascentes e todo o percurso dos córregos, riachos e rios que alimentam a represa. A Guarapiranga abastece toda a zona sudoeste da capital (incluindo bairros como Morumbi, Butantã e Santo Amaro) e apresenta sérios problemas de degradação ambiental. Entre 1991 e 2000, a população que vive em torno represa aumentou em quase 40% e já ultrapassou a marca de 800 mil pessoas.
A qualidade das águas dos rios e da represa piora ano a ano. O custo de tratamento desta água é altíssimo e, mesmo assim, não é suficiente para evitar o gosto e cheiro da água que sai da torneira. Apesar deste quadro, apenas a metade dos habitantes da região, em 2000, tinha algum sistema de coleta de esgotos. E a maioria do esgoto coletado continua sendo despejada na represa, uma vez que as redes de exportação e transporte até a estação de tratamento ainda não existem.
Soma-se à poluição as péssimas condições ambientais em se encontra a bacia hidrográfica da Guarapiranga. Estudo recém-divulgado pelo ISA demonstra que, em 2003, mais da metade da área da bacia hidrográfica encontra-se alterada por atividades humanas. Parte dessa alteração (16%) diz respeito aos usos urbanos, e o restante a usos diversos, como agricultura, mineração e solo exposto. A situação é tão grave e descontrolada que nem as Áreas de Preservação Permanente - protegidas por leis federal e estadual - foram poupadas. Parcela significativa destas áreas (37,7%) encontra-se ocupada por usos humanos, com sérias conseqüências para a produção de água, porque são justamente as áreas ambientalmente mais frágeis, como o entorno de rios e nascentes.
Invariavelmente, uma rodovia do porte do Rodoanel terá impactos ambientais onde quer que seja construída. Na fase de construção, é necessário desmatar, assorear nascentes, interromper cursos de rios, movimentar terra, criar rotas para os caminhões transportarem a terra. Sem falar nos acidentes que podem acontecer. Durante a sua operação, acidentes com cargas tóxicas, o aumento da ocupação nos acessos à rodovia e a pressão inevitável pela construção de novos acessos são riscos adicionais e impactos indiretos que podem ocorrer. Para isso serve o EIA, que permite avaliar os danos e prever as medidas necessárias para evitá-los, juntamente com o planejamento dos recursos financeiros necessários para que estas ações sejam, de fato, realizadas.
Desde o início das discussões do EIA do Trecho Sul do Rodoanel tem se dito que a região de mananciais não pode suportar novos danos e que, caso o governo opte, mesmo assim, pela construção da estrada nestas áreas, é fundamental que os impactos e medidas de prevenção e correção sejam corretamente dimensionados, incluindo os seus custos e cronograma de implantação, de forma a evitar que os danos ocorram. Este processo não acontece rapidamente, primeiro porque nem sempre os estudos produzidos por quem tem interesse na obra contemplam todos os impactos, segundo porque é necessário que estes sejam discutidos à exaustão com a sociedade.
O Trecho Oeste do Rodoanel, que não está em área de mananciais, foi inaugurado em 2002. Algumas das ações de compensação para corrigir os danos ambientais, como por exemplo o plantio de 100 hectares de árvores para compensar o desmatamento, não foram feitas até hoje. Entre as justificativas estão questões técnicas e financeiras. Considerando que o governo do estado não tem os R$ 2,6 bilhões necessários para construir o Trecho Sul, é fundamental que as ações de compensação não sejam comprometidas em uma eventual redução do orçamento da obra. Caso isso ocorra, a construção do Rodoanel em área de mananciais causará impactos ainda mais graves.
O processo de degradação das áreas de mananciais acontece desde a década de 80. A situação atual destas áreas demonstra que as respostas governamentais adotadas até aqui não têm sido eficientes para minimizar e muito menos reverter a situação. Apesar da gravidade dos problemas, tais áreas não são prioridades para o poder público. Não existem investimentos constantes em infra-estrutura de saneamento e de fiscalização na região. Ao mesmo tempo, importantes projetos de lei, como o da cobrança pelo uso da água e a lei específica da Guarapiranga, não são aprovados e permanecem por anos em discussão na assembléia legislativa do estado. A lei de cobrança pelo uso da água, por exemplo, tramitou durante cinco anos no legislativo paulista até ser aprovada na semana passada.
Tirar parte dos caminhões das marginais é importante para os que trafegam por essas vias. Os impactos desta decisão, no entanto, recairão sobre todos os habitantes da Grande São Paulo e a construção do Rodoanel não pode ser responsável por qualquer dano sobre a qualidade da água, que é tão escassa e preciosa para todas as pessoas que circulam e vivem na Região Metropolitana de São Paulo. Considerando o esgotamento ambiental das áreas de mananciais é fundamental que este assunto seja tratado como prioritário e que a área de transportes use da criatividade para pensar outras soluções, como por exemplo, regulamentar o horário de circulação de caminhões, investir em transporte coletivo e otimizar a estrutura viária ociosa existente.