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Na última sexta-feira, 11 de dezembro, foi publicado, sem alarde, o Decreto Federal no 7029, que cria o Programa Federal de Apoio à Regularização Ambiental dos Imóveis Rurais Mais Ambiente. Tal programa, gestado no início para atender exclusivamente à agricultura familiar, foi estendido a todos os imóveis rurais do País, e tem como objetivo criar as condições necessárias para que pudéssemos sair do atual impasse ambiental existente na área rural.
Hoje são poucos os que cumprem fielmente o Código Florestal, mas a pressão para que essa situação mude só faz aumentar. Não existem números precisos mas, com base no Censo Agropecuário 2006, esse passivo pode ser estimado em cerca de 60 milhões de hectares de Reservas Legais serem averbadas e/ou recuperadas em todo o País. Algumas dessas áreas foram irregularmente desmatadas há poucos anos, por pessoas que apostaram na impunidade, sobretudo para a expansão da fronteira agrícola na Amazônia e no Cerrado.
Outras, no entanto, estão irregulares há várias décadas, fruto de uma época em que a lei florestal pouco era conhecida e menos ainda cobrada, havendo casos em que o poder público deliberadamente incentivou a ocupação de áreas ambientalmente sensíveis. Não podemos acreditar que essas áreas serão recuperadas apenas com a aplicação de multas e um aprimoramento na fiscalização. Isso é necessário, mas não suficiente.
É nesse ponto que se insere o Mais Ambiente. Ele foi vendido à sociedade como um programa de apoio público à regularização ambiental rural, como um passo decisivo na direção da real implementação do Código Florestal, após mais de 70 anos de descaso. Só que, infelizmente, ele carece dos elementos básicos para alcançar seus objetivos.
Quando inicialmente planejado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), tal programa prometia medidas concretas de apoio financeiro, técnico ou material para que o agricultor familiar pudesse regularizar a situação de seu imóvel rural. O decreto, no entanto, embora crie formalmente quatro sub-programas de apoio (art.9o), não define para que serve cada um, como funcionará, quem executará e, principalmente, qual a fonte de recursos. É, nesse aspecto por se tratar de uma mera carta de intenções, e levando em conta a forma como o assunto foi tratado pelo governo federal, que são pouquíssimas as chances de serem concretizadas, sobretudo em final de mandato.
Além disso, associada à parte teórica, juntou-se uma medida muito pragmática: o perdão de multas para quem, em até três anos, aderir ao programa. Baseada em uma lei estadual do Mato Grosso (Programa MT Legal), a medida veio totalmente descontextualizada no programa federal. Em primeiro lugar, permite que quem ainda está desmatando se beneficie da anulação da multa, e não apenas aqueles proprietários com passivo antigo. Em segundo lugar, e o pior de tudo, é que, diferentemente do que ocorre no MT, mesmo as multas já lavradas serão perdoadas.
Ou seja: o programa não é um incentivo para quem voluntariamente queira se regularizar, mas está com receio do tamanho do passivo acumulado. Será usado também ou principalmente por aqueles que continuaram desmatando ilegalmente e, por azar, foram identificados pela fiscalização e levaram multa, mas agora não precisarão mais pagar. Basta, para isso, assinar um termo de compromisso com o órgão ambiental.
Não há dúvidas de que é necessário uma espécie de regra de transição para sair da situação de ampla ilegalidade para a de governança. Só que essa regra deve ser muito bem pensada para não criar injustiças e, pior que isso, incentivos perversos. Não faz qualquer sentido perdoar a multa de quem desmatou ilegalmente há uma semana. Essa pessoa que desmatou sabia que não podia faze-lo e o fez deliberadamente. Não precisa de ajuda para se regularizar, mas de punição exemplar para evitar que outros façam o mesmo. Diferente é a situação dos passivos antigos, que muitas vezes foram herdados ou comprados pelos atuais proprietários.
A leniência do poder público em décadas passadas deve ser de alguma forma compensada agora, e muito mais interessa à sociedade que esses proprietários usem seus recursos para recuperar a área em vez de pagar eventualmente multas ao Estado. É para esse último grupo que qualquer tipo de isenção no pagamento de penalidades deveria se dirigir. Jamais para os que hoje estão afrontando a lei.
Paralelamente à edição do decreto, o governo federal prepara uma verdadeira bomba a ser lançada sobre a legislação florestal brasileira: um projeto de lei para alterar o Código Florestal. Discutido apenas nas altas cúpulas, sem qualquer embasamento técnico ou reflexão mais aprofundada que o justifique, ele virá apenas para descaracterizar boa parte da lei, sob o princípio de que ela tem exigências excessivas e custa muito caro cumpri-la.
Algumas das medidas em elaboração são a anistia em definitivo para usos irregulares de Áreas de Proteção Permanente (APPs) - encostas, topos de morro, beiras de rio - e a permissão que uma plantação de eucalipto seja considerada como Reserva Legal, por exemplo. Não há qualquer avanço na proposta, nenhuma medida que facilite a aplicação da lei, que aumente o desincentivo ao desmatamento ilegal, que premie os que a cumprem ou incentive à ação aqueles que querem cumpri-la mas não têm condições para tanto.
Nesse contexto, o Mais Ambiente, ao estender até 2011 o prazo para aplicar a sanção aos que não recuperam ou averbam a Reserva Legal, ao premiar os desmatamentos recentes com o perdão, ao tratar os pequenos e grandes produtores sem diferença, e ao não trazer nenhuma medida concreta para estimular a averbação das RLs e recuperação das APPs, tende ao fracasso. Quem irá se aventurar a regularizar sua situação se sabe que a lei será modificada? O programa não será lido pela sociedade como um passo para a regularização ambiental dos imóveis rurais. Ao contrário, será compreendido como mais uma doença a atacar a lei florestal, que agora já tem prazo para morrer: 11 de dezembro de 2012.