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Em 28 de dezembro passado, o presidente Lula editou o Decreto nº 7.056, que aprova o novo estatuto e quadro de cargos em comissão da Funai (Fundação Nacional do Índio), reestruturando o órgão. Suas atribuições ficaram melhor definidas, num contexto em que vários outros órgãos da administração têm competências estabelecidas em relação às demandas indígenas, com foco na proteção de direitos, reconhecimento e provimento de terras e na gestão dessas terras.
A Funai continuará dispondo de três diretorias que comporão, com a presidência, o seu conselho diretor. As 45 AERs atuais Administrações Executivas Regionais são transformadas em 36 Coordenações Regionais Provisórias. Com isto, se reduz a dispersão administrativa atual e, como essas unidades estão diretamente ligadas à presidência do órgão (sem instâncias intermediárias), deverá ficar facilitada a sua articulação com a administração central. Foi extinta a antiga figura dos postos indígenas e criada a de coordenação técnica local. A ideia é dotar as regiões com profissionais técnicos capacitados a apoiar a autonomia indígena na gestão dos seus territórios e não se restringir aos serviços assistencialistas.
Essas coordenações regionais passarão a ter uma igual estrutura de cargos comissionados, com um pequeno fortalecimento em relação à estrutura atual. A proposta de reestruturação projeta um quadro funcional de pouco mais de cinco mil servidores, com um acréscimo de 3.100 em relação ao quadro atual, estando definida a realização de concurso público para 425 novos funcionários em 2010. Este quadro ampliado, quando preenchido, dotaria as unidades regionais de um número bem maior de servidores que o atual.
A publicação do decreto presidencial suscitou reações de funcionários e de representantes indígenas em vários locais, notadamente onde há atualmente uma sede de AER e por conta da reestruturação não haverá uma sede de coordenação regional. Nesses casos, a reestruturação está sendo traduzida como extinção de unidades e postos locais, quando, na verdade, não estão previstas supressões de estruturas administrativas atuais, mas a sua manutenção dentro da estrutura das novas coordenações regionais.
Porém, unidades administrativas em que há inchaço de funcionários em cidades, ou que foram criadas em função do interesse de grupos específicos, serão afetadas. Da mesma forma que núcleos corporativos devem perder influência e autonomia. Não há como corrigir os problemas estruturais do órgão sem afetar interesses em contrário, que agora se mobilizam para tentar manter o status quo atual.
As mudanças de estrutura da Funai sempre provocam, também, apreensão e desconfiança por parte de grupos indígenas, especialmente entre aqueles que historicamente mantém relações mais próximas, ou de maior dependência em relação ao órgão. Como a Funai vem de um longo processo de deterioração e envelhecimento, as propostas de mudanças são, em princípio, percebidas como risco.
Este temor é reforçado pelo fato de a atual reestruturação ter sido editada por decreto, no apagar das luzes do ano que passou, embora já tivesse sido anunciada pela Funai em setembro de 2007 na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). O fato é que ela reflete mudanças que há muito têm sido reclamadas para superar conhecidas distorções ou deficiências administrativas do órgão. A redução do número e melhor estruturação das unidades regionais, a alocação da maior parte do corpo funcional mais próxima das terras indígenas, a renovação de quadros através de concurso público, entre outras, são propostas que vêm sendo há muito discutidas. Na verdade, a proposta de reestruturação faz ajustes necessários à estrutura da Funai e ajuda a clarear a natureza contemporânea da sua missão. A sua implementação, sobretudo no âmbito regional, precisa ser melhor detalhada e, eventualmente, poderá demandar novos ajustes. No entanto, a participação indígena na constituição dos comitês que deverão atuar junto às coordenações regionais permitirá um melhor conhecimento da estrutura proposta e um melhor controle sobre a atuação local do órgão. A maior novidade da proposta ainda é a ampliação sem precedentes do quadro. É difícil saber se a Funai precisa, mesmo, de mais de cinco mil funcionários. Ou até que ponto o atual regime único do funcionalismo, que desincentiva a alocação de quadros nas áreas indígenas ou cidades remotas, permitirá o efetivo fortalecimento do quadro local. Porém, se a atual administração consolidar a incorporação dos primeiros novos 425 funcionários, já propiciará uma enorme renovação dos envelhecidos quadros do órgão.
Assim, líderes indígenas, organizações de apoio e opinião pública em geral devem se acautelar em relação a rebeliões fisiológicas que se contrapõem à nova estrutura proposta em função de interesses contrariados. Vale muito mais a pena para os índios e para o Brasil aprofundar a discussão e a participação na implementação da estrutura proposta, na qualificação dos novos quadros e na definição dos ajustes ainda necessários.