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Cerca de mil extrativistas da Terra do Meio, no município de Altamira, no centro do Pará, dispersos em mais de dois milhões de hectares de Reservas Extrativistas (Resex), vivem sem serviço público de saúde. Os pedidos de resgate de emergência são feitos por rádio e só em horário comercial. O hospital público mais próximo, em Altamira, fica a uma distância que pode chegar a quatro dias de barco.
A prefeitura da cidade está sem condições de lidar com o aumento da demanda extra no sistema de saúde com a vinda de 50 mil novos moradores atraídos pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, deixando os extrativistas, que vivem no município, ainda mais vulneráveis, sem a atenção mínima necessária. Este é o cenário em que vivem as pessoas responsáveis por conservar a floresta numa região que é palco de um dos maiores conflitos fundiários do Brasil (veja Especial sobre a Terra do Meio).
Antônio Rocha, o “Tonheira”, e toda família estavam coletando açaí e patauá na floresta. Um dos irmãos, Valdeci, 19 anos, foi picado por uma cobra. “Quando ele desceu do pé de patauá sentiu a picada”, conta Lindomar Rocha, irmão mais velho. O pai carregava apenas uma dose do elixir conhecido por “específico pessoa”. O filho igeriu-o imediatamente. A substância é usada pela população regional na ausência do soro antiofídico.
No caminho de volta, outro acidente: Francenildo, 13 anos, foi picado por um escorpião. “Já não tinha mais o que fazer, nós só tínhamos uma dose do específico”, lamenta o irmão mais velho, que viu Francenildo morrer no mesmo dia.
A família mora na Resex Riozinho do Anfrísio e vive da extração e comercialização de óleos da floresta, da produção de canoas, remos e cestos, pesca, castanha e outros produtos. Também foi protagonista de um programa da série “Florestabilidade”, do canal Futura.
A Terra do Meio é uma das regiões mais importantes para conservação da diversidade socioambiental da bacia do Xingu (leia o atlas "De Olho na Bacia do Xingu"). Cerca de 90% de seu território ainda estão bem conservados graças às populações ribeirinhas e indígenas que vivem ali há gerações, usando de conhecimentos tradicionais para extrair da floresta tudo o que a floresta é capaz de recompor.
Valdeci recebeu alta, nesta terça-feira, do hospital municipal de Altamira. O jovem recebeu atendimento depois de uma complexa operação de resgate, que durou toda a sexta-feira santa e envolveu o Ministério Público Federal (MPF), ISA, Secretaria de Saúde de Altamira e Polícia Militar.
A procuradora do MPF Thais Santi visitava a região para verificar justamente a situação de saúde e educação local. Na manhã de sexta-feira (30), ela conseguiu, por sorte, comunicação com um operador de rádio em Altamira e a liberação de um helicóptero da polícia militar, que buscou o adolescente em uma Terra Indígena (TI) próxima.
Nos últimos anos, o ISA, a partir da demanda da comunidade e de termo de cooperação assinado com a prefeitura, captou recursos por meio de projeto com o Fundo Vale e construiu três Unidades Básicas de Saúde (UBSs) nas Resex do Rio Iriri, Rio Xingu e Riozinho do Anfrísio. Segundo o acordo, o município é responsável pelo funcionamento das unidades e contratação de técnicos de enfermagem. “No ano passado a prefeitura até recebeu currículos indicados pelas comunidades de técnicos de enfermagem, mas, no fim, não foram contratados e aí mudou a prefeitura e começamos tudo de novo” diz Raimundo Belmiro, presidente da Associação de Moradores da Resex do Riozinho do Anfrísio.
O Secretário de Saúde de Altamira, Waldeci Maia, atribui a dificuldade em contratar os três enfermeiros à construção de Belo Monte. Segundo ele, muitos profissionais foram absorvidos pela obra. “É difícil encontrar profissionais qualificados e dispostos a morar em áreas isoladas, além disso, a prefeitura não consegue competir com os salários pagos pela Norte Energia”, explica.
“Estou elaborando uma recomendação para as secretarias pedindo que as unidades que estão prontas nas RESEX sejam instrumentalizadas imediatamente e essas populações parem de ser brutalmente violentadas pela ausência de serviços públicos de saúde. Caso contrário, vamos partir para a esfera criminal”, relata Thais Santi.
“UBSs implantadas com técnicos de enfermagem são elementos importantes, mas são necessários outros investimentos aliados a isso para garantir o mínimo de condições para atenção à saúde dessas populações” diz Marcelo Salazar, coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA.
Em 2012, foi aprovado no comitê gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) do Xingu um projeto da prefeitura de Altamira para construção de duas novas UBSs e recursos para logística de técnicos de enfermagem e resgate, além de recursos para formação de extrativistas na área de saúde. O projeto é orçado em R$ 470 mil e está pronto para ser executado. Com um projeto da Associação de Moradores do Riozinho do Anfrísio, aprovado pelo PDRS em 2012 e já executado, foram compradas três voadeiras (barcos rápidos) para uso em casos de emergência nas Resex.
Em 2010, na impossibilidade de lidar com a complexidade da promoção da saúde para essa população, a prefeitura de Altamira obteve recursos do Programa de compensação de especificidades regionais do Ministério da Saúde para, a cada três ou quatro meses, fazer resgates e enviar expedições com equipes de saúde.
“Mortes por picadas de cobras, malária e câncer de colo de útero são frequentes na região e podem ser evitadas com uma estrutura simplificada de saúde”, explica o médico Douglas Rodrigues, que elaborou um diagnóstico de saúde nas Resex (leia o diagnóstico completo).
Um plano de ação foi elaborado a partir do diagnóstico, juntamente com técnicos da prefeitura e lideranças das comunidades locais. Ele sugere compra de voadeiras, contratação de horas de voo para resgate, técnicos de enfermagem, enfermeiros, dentistas e outros profissionais, além da aquisição de equipamentos para funcionamento das UBS que já estão prontas. O diagnóstico sugere ainda a capacitação para a formação de agentes de saúde locais.
Para Rodrigues, contratar profissionais que permaneçam por muitos anos nessas regiões é uma tarefa quase impossível de ser conseguida. Ele acredita que, no médio prazo, é possível treinar a própria população local para promover a saúde. “Treinando agentes, nós precisaríamos de apenas três enfermeiros (ou seis em rodízio, ficando três meses no posto de saúde e três meses em Altamira), um dentista, um médico e um enfermeiro realizando expedições a cada três meses em cada região”, sugere o médico.
No dia 24 de abril, está prevista em Altamira uma reunião para discutir a criação de um subsistema de saúde para essas populações na região. Devem participar os governos federal, estadual e municipal, além de representantes das associações das Resex, Ministério Público Federal e organizações da sociedade civil.
“Esse subsistema deve considerar as características da região, a situação de isolamento, o perfil das endemias regionais e as características culturais dessas populações extrativistas, como já acontece com os povos indígenas”, defende André Villas-Bôas, secretário executivo do ISA.
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Relatório Condições Saúde. | 4.84 MB |