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Expedição à TI Yanomami constata invasões e placas de delimitação são colocadas

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Nos dias 10 e 11/4, equipe formada por ISA, Hutukara e Funai realizou nova expedição no leste da TI Yanomami, entre as regiões do Ajarani e Apiau (RR). A Funai colocou placas para reforçar os limites onde, na 1ª expedição realizada no final de 2012, foram registradas invasões
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A equipe da expedição realizada no final de 2012, fruto da parceria da Hutukara, Funai e ISA, que constatou aumento nas pressões na fronteira da TI Yanomami, voltou agora em abril. Desde 2010, as três instituições tem dado atenção especial ao limite leste da Terra Indígena com o objetivo de realizar atividades de fortalecimento cultural, proteção territorial e geração de renda, buscando reverter o quadro de pressões que ameaça o território Yanomami.

Em 2012, a equipe percorreu de 200 km de fronteira da TI, registrando pontos de invasão e o crescimento ilegal das estradas de terra na região. Agora, a equipe voltou e a Funai instalou placas e sinalizou os limites da TI, onde em 2012 foram encontrados focos de invasão. Além disso, a expedição seguiu por estradas recém-abertas, verificando até onde vai o desmatamento e a ocupação ilegal no entorno da TI. (Veja mapa).

No entorno do limite leste da TI, entre os rios Ajarani e Apiau, existem cinco projetos de assentamento (PAs) do Incra: Sumaúma, Vila Nova, Apiau, Paredão, Massaranduba e Ajarani. A dinâmica de ocupação ilegal no entorno desses assentamentos, descrita ainda no início dos anos 2000 continua até os dias de hoje: pequenos agricultores ou especuladores imobiliários, que não foram assentados utilizam-se da estrutura viária criada para atender aos assentados, prolongando ilegalmente as estradas de terra, e loteando de forma arbitrária lotes em terras de domínio público. (Veja quadro no final do texto).

Invasores se escudam nos assentamentos do Incra

A partir da ocupação ilegal eles esperam a legalização de seus lotes. Essa legalização viria com a criação de novos projetos de assentamentos, e é incentivada por atores políticos regionais, que esperam ganhar votos em troca. Assim, a estrada de terra que está sendo aberta desde 2009, e atualmente (veja no mapa) muito próxima aos limites da TI Yanomami, é conhecida pelo nome de uma vereadora da região que teria incentivado a ocupação.

Além dessa, mais uma estrada começou a ser aberta recentemente no entorno da TI. O fato preocupa, pois o empobrecimento dos recursos florestais das regiões ocupadas pelos novos habitantes é um efeito previsto das ocupações recentes na Amazônia, e que deve acontecer na região, principalmente em relação aos recursos madeireiros. Aumenta, dessa forma, o risco de a TI ser invadida para a retirada ilegal de madeira. O mesmo pode ocorrer com as atividades de caça, pesca e coleta.

O Ajarani foi o lugar onde os Yanomami tiveram o primeiro contato sistemático com a sociedade nacional, com grande impacto nas comunidades da região. A estrada trouxe epidemias que resultaram na morte de centenas de Yanomami. Antropólogos que trabalharam na região na década de 1970 estimam um índice de mortalidade de 80%. Isso causou profunda desestruturação social na região e, ainda hoje, 20 anos depois da homologação da TI, há fazendeiros que não foram retirados pela Funai. (Saiba mais).

Estratégias de ocupação de terras no estado de Roraima
Durante seu período de administração direta, o governo federal, por intermédio de um governador nomeado, conduziu uma política de integração e de desenvolvimento cuja justificativa era a consolidação da presença brasileira naquela fronteira norte, considerada perigosamente "vazia" [...]. Nesse âmbito que é também lançada na região uma colonização agrícola em grande escala, cuja justificativa é muito mais estratégica do que social: trata-se, sobretudo, de intensificar a ocupação humana das regiões fronteiriças, integrando-as ao espaço nacional.

[...]A Constituição de 1988 termina com o controle direto do governo federal sobre os Territórios Federais ainda existentes (Amapá e Roraima), então transformados plenamente em Estados da Federação. Dentre várias mudanças, notamos a eleição em Roraima de um número excessivo de políticos em relação à população do estado: oito deputados, três senadores e 24 deputados estaduais para apenas 250.000 habitantes. Desde então, a vontade dessa classe política de constituir eleitorados cativos por meio de relações paternalistas e de sua intermediação no acesso à terra passou a ser um novo e forte incentivo ao desenvolvimento de projetos de colonização na região.

[...]O processo de colonização - e este é sem dúvida um de seus piores defeitos - não é conduzido unicamente pelas administrações encarregadas de promovê-lo. Os últimos migrantes, a chegarem ao longo das estradas vicinais, não encontrando terra disponível, prolongam-nas com picadas improvisadas, o que lhes permite penetrar mais fundo na floresta. Essas picadas são geralmente abertas com o apoio de madeireiros, que remuneram o camponês pelas árvores retiradas do seu futuro lote.

Quando uma administração (o município ou o INCRA) decide abrir uma nova vicinal, esta segue, em realidade, o traçado ou a direção das picadas mais povoadas ou mais freqüentadas de um loteamento. Desta forma, a ocupação e as atividades irregulares guiam em parte a conquista legal do espaço nos programas de colonização [...]

[...] O papel dos políticos locais deve ser particularmente destacado, pois a atribuição de lotes nas zonas de colonização é um meio eficaz de constituir uma base eleitoral. [...] A migração é, assim, muitas vezes incentivada ou facilitada pelos políticos locais. Porém, o setor econômico regional é também favorável à conquista das zonas florestais. Os empresários de obras públicas são os beneficiários dos canteiros de obras na abertura de estradas, enquanto os madeireiros precisam, para alcançar sua matéria-prima, de picadas que entram sempre mais profundamente na floresta. Mas o papel mais importante no processo continua sendo, obviamente, o do colono ou do migrante que se instala na floresta.

[…]As estratégias dos pequenos agricultores em Roraima assemelham-se àquelas que foram descritas para as demais regiões amazônicas. Raciocinando a curto prazo, eles podem contentar-se em concluir o desmatamento de sua parcela e cedê-la, uma vez convertida em pastagem, a um proprietário mais afortunado (fazendeiro ou empresário), obtendo com isso um capital que lhes permitirá instalar-se em outro lugar com melhores chances de sucesso. Alguns empreendedores dispondo de capitais importantes intervêm junto aos colonos a fim de acumular lotes, tornando-se grandes proprietários fundiários. Finalmente, essas fazendas serão ou não regularizadas em função dos apoios políticos desses proprietários.

(*)Trechos retirados do Artigo “Colonização agrícola e áreas protegidas no Oeste de Roraima” do geógrafo François-Michel le Tourneau, de 2003, publicado pela CCPY

Moreno Saraiva Martins
ISA
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