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Gleisi diz que ministérios vão avaliar demarcações de terras indígenas

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Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e das Cidades devem passar a opinar sobre demarcações. Informações agropecuárias e fundiárias também podem ser levadas em consideração
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A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, confirmou que outros órgãos do governo federal, além da Funai (Fundação Nacional do Índio), vão avaliar os processos de demarcação de TIs (Terras Indígenas). Com isso, a instituição indigenista deve perder parte de suas atribuições.

“Concordo que a Funai não está preparada e não tem critérios claros para fazer a gestão de conflitos [entre povos indígenas e produtores rurais]", criticou Hoffmann. "Estamos propondo reestruturar os procedimentos para que outros órgãos possam intervir nos estudos e qualificá-los”, informou.

Entre os ministérios que podem participar dos novos trâmites, a ministra mencionou os da Agricultura, Desenvolvimento Agrário e das Cidades. Hoje, a responsável pelo procedimento é a Funai, subordinada ao Ministério da Justiça. Para esta pasta, também é discutida a criação de um departamento para cuidar do tema.

Deverão ainda ser levados em conta na análise das demarcações não só aspectos antropológicos, mas também sociais e econômicos. Segundo a ministra, podem ser considerados, por exemplo, dados sobre produção e crédito agrícolas, tamanho das propriedades na região, tempo de ocupação não indígena e sobreposição com áreas urbanas.

A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) deve coordenar a criação de um sistema de informações agropecuárias e fundiárias para subsidiar o trabalho. Gleisi não deixou claro quem, nesse novo trâmite, daria a palavra final sobre as demarcações.

O plano atende às pressões ruralistas e, se implantado, deverá reduzir ainda mais o ritmo do reconhecimento das TIs, que já é lento no mandato de Dilma Rousseff (veja aqui).

“A decisão política sobre a demarcação das TIs é do ministro da Justiça, e não da Funai. O que choca, neste caso, é a ausência do responsável no debate. O atual procedimento, instituído pelo ex-ministro Nelson Jobim, já contempla contestações de terceiros interessados”, contrapõe Márcio Santilli, do PPDS (Programa de Política e Direito Socioambiental) do ISA.

Para justificar as mudanças, a ministra afirmou que, hoje, as TI estão sendo identificadas em áreas agrícolas consolidadas no Centro-sul do País, o que provoca conflitos com agricultores, e não mais em locais isolados e despovoados do Norte.

Hoffmann disse que um grupo de trabalho para discutir o assunto foi formado dentro do governo, no final do ano passado, e deve apresentar seus resultados até o final deste semestre. Ela não informou quem participa dos debates e não comentou a informação, publicada na imprensa, de que o Planalto planeja tirar da presidência da Funai a demógrafa Marta Azevedo.

Ato político

As afirmações foram feitas, ontem, numa reunião da Comissão de Agricultura e Pecuária da Câmara. Os comentários de Gleisi de que os procedimentos demarcatórios nem sempre foram “claros e objetivos” serviram de munição para que a bancada ruralista transformasse o evento num ato político contra as demarcações e a Funai. O órgão foi qualificado, entre outros, de “criminoso” e “fraudulento”.

Os ruralistas prometem protocolar, na semana que vem, um pedido de abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a fundação. Eles defenderam a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 215, que transfere ao Legislativo a prerrogativa de oficializar as TIs.

A grande maioria dos parlamentares repetiu o pedido para que todas as demarcações e até as desintrusões em curso fossem suspensas até que sejam analisados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) os embargos sobre o julgamento da demarcação da TI Raposa-Serra do Sol (RR), de 2003.

Recursos pendentes questionam se as 19 condicionantes sobre o caso, definidas pelo STF, podem ser aplicadas a todas as TIs. A decisão pode implicar várias restrições aos direitos dos índios sobre suas terras.

Gleisi Hoffman pediu que as informações e eventuais denúncias que sirvam para qualificar as demandas de suspensão de demarcações sejam encaminhadas à Casa Civil para avaliação.

“A Funai está muito mal. Não dá para continuar como está. Ela causa mais problemas”, afirmou o líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE). Outros petistas também defenderam a retirada de parte dos poderes do órgão indigenista.

Eleitorado

Pré-candidata ao governo do Paraná, Hoffmann também tenta agradar seu eleitorado entre os produtores rurais. Anteontem, ela anunciou o pedido que fez ao Ministério da Justiça para suspender as demarcações em seu estado com base em informações da Embrapa. Subordinado ao Ministério da Agricultura, a instituição também está colhendo dados sobre o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul a pedido da Casa Civil. A ministra disse que aguarda os resultados do trabalho e que foi uma “coincidência” o estudo no Paraná ter sido finalizado primeiro.

Na audiência da comissão da Câmara, estavam presentes dezenas de manifestantes da Faepa (Federação da Agricultura e Pecuária do Paraná). A ministra iniciou sua fala enaltecendo a importância da agropecuária para a economia e os investimentos do governo no setor.

O Ministério da Justiça publicou uma nota afirmando apenas que recebeu e avalia o pedido da Casa Civil. A Funai não se pronunciou sobre o assunto até o início desta manhã.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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