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Atenção

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Dois indígenas morrem por não terem sido removidos a tempo para Boa Vista (RR)

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Em regiões onde o atendimento de saúde se dá somente por via aérea, uma vistoria realizada pela Anac na empresa de táxi aéreo contratada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena paralisou os voos, levando à morte um yanomami e uma ingarikó. MPF cobra explicações dos responsáveis
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O acesso aéreo é o único meio pelo qual a assistência à saúde pode chegar para a maioria das aldeias Yanomami e Ingarikó, localizadas nas Terras Indígenas Yanomami e Raposa-Serra do Sol, nos estados de Roraima e Amazonas. Por essa razão, a Sesai, órgão do governo responsável pela saúde indígena, mantém contratos com empresas de táxi aéreo para transportar as equipes de saúde e medicamentos, além de fazer a remoção de casos graves para o atendimento na cidade de Boa Vista, capital de Roraima.

Em maio, porém, os voos foram suspensos por determinação da Anac após uma inspeção na empresa de táxi aéreo contratada pela Sesai, a Paramazônia Táxi Aéreo. A solicitação, segundo a empresa, partiu da própria Sesai em fevereiro deste ano. O contrato anual da Sesai com a empresa de táxi aéreo é de R$21.120.000,00. (Saiba mais).

Por mais que seja desejável que a Anac cumpra seu papel de fiscalizar e inspecionar as aeronaves, garantindo a segurança dos voos, e que a Sesai solicite tal fiscalização, é incompreensível que os voos sejam paralisados completamente, sem um plano emergencial que garanta o atendimento em situações extremas e que esta informação seja compartilhada com as organizações e comunidades indígenas.

A falta desse plano resultou na impossibilidade de remover para Boa Vista dois pacientes graves que vieram a morrer. Desabastecimento das farmácias, falhas no atendimento e insegurança nas comunidades indígenas foram outras consequências da interrupção dos voos.

Mortes que poderiam ser evitadas

No dia 31 de maio à noite, Olinda Damásio Semeão, de 26 anos, entrou em trabalho de parto na comunidade Ingarikó Serra do Sol, TI Raposa-Serra do Sol, atendida pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Leste. Ela passou a noite com contrações, teve sangramento e apresentava batimentos cardíacos lentos e pulso baixo. Diante deste quadro, o Agente Indígena de Saúde (AIS), Romário Felipe Miguel, solicitou a remoção por radiofonia naquela manhã, bem cedo. Não havia na comunidade outro profissional de saúde, técnico em enfermagem, enfermeiro ou médico.

Às 8h45, ela deu à luz a um menino, mas continuou com sangramento e a placenta retida. Quando chamaram Boa Vista novamente pelo rádio, a enfermeira de plantão informou que os voos não estavam liberados para a remoção. Alertada pelo agente de saúde sobre o risco de morte que a paciente corria a enfermeira entrou em contato com a Paramazônia, que informou estar aguardando um avião que estava vindo de Santarém, no Pará.

Olinda piorou e o agente de saúde continuou a chamar pela radiofonia para saber da liberação do voo. No local não havia soro e nenhum medicamento para ajudar a paciente. Só hidróxido de alumínio e metronidazol. Havia um mês que a farmácia estava desabastecida, em razão do cancelamento dos voos. Olinda morreu às 15h15 daquele mesmo dia. No dia seguinte chegou um avião com a urna para enterrar a paciente e remover a criança que nasceu para ser hospitalizada em Boa Vista. Felizmente a criança passa bem.

Na comunidade Yanomami do Maturacá, no Amazonas, atendida pelo DSEI Yanomami, Marcílio Melo Paixão, 20 anos, que fazia tratamento constante por conta de um acidente que sofreu quando menino, aguardava a remoção.

Em 31 de maio, segundo José Luís Goes Yanomami, o voo aconteceu como planejado. Entretanto, foi dada prioridade ao deslocamento da equipe técnica de saúde para São Gabriel da Cachoeira. Marcilio, que esperava no aeroporto de Maturacá desde as 10h30, só foi removido às 17h30. Aguentou apenas meia hora de voo, morrendo às 18h. O avião voltou para Maturacá com Marcílio morto.

É de se ressaltar que os Yanomami do Estado do Amazonas têm muitas reclamações sobre a necessidade de remover os pacientes para a cidade de Boa Vista, em razão dos voos longos com mais de duas horas de duração em aviões pequenos e desconfortáveis, como também do tratamento que recebem na Casa do Índio (Casai), longe dos seus parentes. As mortes foram denunciadas ao Ministério Público Federal de Roraima que solicitou a instauração de inquérito policial e medidas administrativas da Sesai para apurar a responsabilidade pelas duas mortes, por falta de socorro daqueles que têm a obrigação de prestá-lo.

Veja reportagem sobre o assunto feita pela Rede Amazônica com depoimentos de Davi Kopenawa, do Agende Indígena de Saúde (AIS) Ingarikó e do Procurador do MPF.

Instituto Socioambiental
ISA
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