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O IBGE tornou públicos, no último dia 10, dados aprimorados sobre a população indígena no Brasil e as novidades trazidas pelos números têm alimentado relevantes discussões. De acordo com o Censo 2010, existem hoje no país 305 etnias, que falam 274 línguas indígenas.
Segundo instituto, a nova publicação buscou solucionar problemas de subenumeração da população indígena, devidos ao fato de não terem sido computados inicialmente os dados de pessoas que, mesmo não se declarando indígenas no quesito cor/raça, consideraram-se indígenas. A pergunta “você se considera indígena?” foi feita às pessoas residentes em Terras Indígenas que se declararam, por exemplo, “pardos” e fez somar aos dados publicados um contingente de 78,9 mil pessoas. A população indígena no Brasil passou, assim, de 817,9 mil – dados preliminares de 2011 –, para 896,9 mil em 2012.
A publicação de dados foi acompanhada pelo lançamento de especiais sobre a população indígena. O destaque fica para o hotsite sobre população indígena, em que o usuário pode navegar por um mapa interativo do Brasil, além de visualizar gráficos com dados populacionais de cada uma das Terras Indígenas. Entre os especiais é possível acessar também os dados sobre as características gerais do indígenas no Brasil e um texto analítico do IBGE sobre os resultados.
Leituras da imprensa distorcem números
A cobertura de alguns órgãos de imprensa sobre os dados divulgados pelo Censo deu ênfase ao fato de que, segundo o IBGE, 42% da população indígena vive fora de Terras Indígenas, sendo 36% dela em áreas urbanas – não necessariamente em cidades. A forma como tem sido divulgada essa informação, entretanto, precisa ser relativizada e complementada por análises mais detalhadas.
No Censo de 2000, quando foram divulgados os números da população indígena no Brasil, foi uma surpresa constatar que 734 mil pessoas se declararam indígenas, dobrando o número estimado por organizações indigenistas até ali. À época, o Estado de São Paulo era a terceira unidade da federação com a maior população indígena; no topo da lista estava o Amazonas, seguido pela Bahia.
Aventou-se então a hipótese de que pessoas que “genericamente” saberiam ser descendentes de índios, sem precisar suas etnias, compunham este contingente. Os dados do Censo de 2010, no entanto, levam a crer que tal argumento não faz sentido e que efetivamente, se está diante da crescente diversidade étnica do País, medida a partir da autodeclaração dos entrevistados.
Em 15 de agosto passado, o jornal O Estado de S. Paulo publicou um editorial no qual, com base nesses dados, questiona a necessidade da demarcação de Terras Indígenas, afirmando que 12% do território brasileiro está coberto por TIs, mas que 42% da população indígena vive fora delas. Sobre a presença de 36% de indígenas fora de TIs e em área urbana, o jornal opina: “Esse número não deixa dúvidas quanto à opção desses indígenas por um modo de vida urbano, que lhes oferece condições muito diversas das que dispunham nas terras que deixaram para viver nas cidades”.
Comparando os totais de indígenas em áreas urbanas, nota-se que, entre 2000 e 2010, em números absolutos, a população indígena em área urbana observou uma queda de 58.464 pessoas – o que pode indicar que os indígenas estão, na verdade, voltando às suas terras – ou, como têm mostrado inúmeras pesquisas antropológicas – circulando entre as TIs e as cidades.
O município de São Gabriel da Cachoeira, no noroeste amazônico, está em primeiro lugar, por exemplo, tanto em números absolutos, quanto percentualmente, entre os que concentram maior população indígena em área urbana e em segundo lugar entre aqueles com maior população em área rural. Com uma população indígena de 29.017, São Gabriel tem 18.001 indígenas em área rural e 11.016 em área urbana.
Para além disso, o editorial do Estadão não informa que as 505 Terras Indígenas consideradas pelo IBGE incluem só as que foram declaradas, homologadas ou registradas até o início de 2010, excluindo 150 cujos processos demarcatórios estão em curso – segundo dados do ISA. Neste sentido, os indígenas que habitam essas áreas foram contabilizados como se vivessem fora de TIs.
Para se ter ideia desse volume de pessoas, são bons exemplos a TI Tumbalalá (BA), que, segundo os órgãos oficiais, soma 1.191 pessoas; a TI Tupinambá de Olivença (BA), com 4.486 pessoas; e a TI Tapeba (CE), com 6.542 pessoas. Todas estão identificadas pela Funai.
Outro aspecto ignorado é o fato de que, em muitas terras, as informações não puderam ser computadas por dificuldades operacionais de variadas ordens, tais como a identificação de limites de setores censitários, adversidades climáticas, dificuldades no contato e abordagem. Das 505 TIs pesquisadas, houve problemas operacionais em 203. O IBGE não informa se tais dificuldades impossibilitaram total ou parcialmente a coleta de dados nessas TIs.
População indígena diminui em São Paulo e Manaus
Comparando os dados dos Censos de 2000 e 2010, nota-se que houve diminuição expressiva na população autodeclarada indígena em duas capitais brasileiras: São Paulo e Manaus.
Em 2000, havia na capital paulista 18.692 indígenas. Em 2010, o novo Censo identificou 12.977 indígenas – quase 6.000 a menos. A capital do Amazonas também teve redução notável, passando de 7894 indígenas em 2000 para 3776 em 2010.
O Censo de 2010 identificou indígenas em todos os distritos da cidade de São Paulo, mas os com maior população são aqueles com referências já conhecidas da presença indígena: em Parelheiros (1002 indígenas), onde estão localizadas duas TIs do povo Guarani, Barragem e Krukutu; no bairro do Jaraguá (583 indígenas), que é uma Terra Indígena guarani; e no distrito do Morumbi (403 indígenas), onde está localizada a Favela Real Parque, em que vivem cerca de 150 famílias Pankararu.
Grande parte da população indígena de São Paulo que vive fora das TIs é oriunda da região Nordeste: são comunidades indígenas dos povos Pankararu, Fulni-ô, Pankararé, Atikum, Karri-Xocó, Xucuru, Potiguara e Pataxó. Um dos principais fatores que gerou a migração de indígenas do Nordeste para São Paulo foi a contínua perda de seus territórios tradicionais. Em termos de quantidade, o povo Pankararu é o mais populoso: além de estar no Morumbi, há diversas famílias em outros distritos como Grajaú (341 pessoas), Capão Redondo (288) e Campo Limpo (282).
Em Manaus, povos como os Sateré Mawé, Ticuna, Baré, Baniwa, Mura e etnias do Alto Rio Negro migraram para a cidade motivados, principalmente, por melhor acesso à saúde e educação, além de terem sido, por vezes, incentivados por missões salesianas – como foi o caso de muitas mulheres do Alto Rio Negro. A criação da Zona Franca de Manaus em 1967 é também apontada por pesquisas como um forte atrativo para a migração de indígenas e não indígenas entre os anos 1970 e 1990.
Tanto os indígenas que escolheram viver em Manaus como aqueles que vivem em Terras Indígenas estão em constante fluxo entre a TI e a cidade. Esta mobilidade poderia, talvez, explicar a discrepância entre os números do IBGE e aqueles estimados por organizações indígenas locais, que chegam a dezenas de milhares.
Além disso, para avaliar as possíveis causas da redução de indígenas em Manaus é preciso levar em conta também que, nos últimos anos, muitos dos que moram na cidade afirmam estar desaconselhando a migração de parentes à capital, devido às dificuldades que encontram no centro urbano. Essas mesmas dificuldades, porém, vêm impulsionando a organização de grupos em associações e comunidades, visando a reivindicação de seus direitos plenos.
Saiba mais
Leia o texto "O Censo 2010 e os Povos Indígenas", da demógrafa Marta Maria Azevedo, e conheça o passo-a-passo da construção de uma metodologia de coleta de dados populacionais de povos indígenas.