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28 de setembro, décimo dia da expedição
Moreno: "Acordamos antes de o sol nascer. Ainda estava escuro. Estávamos dormindo no posto de saúde da comunidade Hatianay, conhecida também pelo nome do rio que passa ao lado da comunidade: Apiaú, em português. Em língua Yanomami o rio leva o nome de Hatianay-u, Rio dos Veados.
Ontem passamos o dia cuidando dos nossos ferimentos adquiridos na caminhada dos dias anteriores e tentando lavar e secar nossa roupa. Foi um dia bem tranquilo. Os nossos acompanhantes indígenas aproveitaram para visitar os parentes que moram ali na comunidade e também para beber caxiri, uma bebida alcoólica fermentada de mandioca.
Logo que levantamos começamos a arrumar as nossas mochilas e jamanxins (um tipo de mochila que os Yanomami fazem para carregar muito peso) para partir. Depois de distribuir a comida que separamos para levar, partimos. Nosso grupo, que no primeiro trecho era de sete pessoas, agora é de nove. Juntaram a nós Edgar, Yanomami do Ajarani, irmão de Luciano, Timóteo, Yanomami do Mucajai e Guilherme, da Funai. Luciano aproveitou carona em um carro da Sesai e ontem decidiu voltar para o Ajarani.
O trecho que iniciamos tem 26 km, que devemos percorrer em 4 ou 5 dias. Os três primeiros quilômetros da viagem foram vencidos em pouco mais de uma hora, pois andamos por uma trilha que sai da comunidade em direção ao limite da TI Yanomami. No entanto, depois dessa primeira etapa da viagem a vegetação do caminho começou a ficar muito cerrada, tornando a viagem cansativa e vagarosa.
Estevão; "Pelo menos dois grandes incêndios atingiram Roraima nos últimos 20 anos, resultado de períodos prolongados de seca no estado, e nessas ocasiões algumas áreas próximas à comunidade do Apiaú foram completamente consumidas pelo fogo. Neste lugar, após a queimada, onde antes havia floresta nasceu um gigantesco e claustrofóbico bananal. Uma capoeira de heliconeas que permanecia invariável, independente das mudanças no relevo ou no solo. Apenas as flores, penduradas como brincos vermelhos e amarelos, quebravam um pouco da monotonia da paisagem. Às vezes, o bananal se intercalava com brejos e pequenos trechos de floresta secundária, que passaram a ser predominantes mais pro final do dia. A caminhada, portanto, foi vagarosa e difícil".
Moreno: "As helicônias são facilmente cortadas quando estão verdes, mas as suas folhas secas são muito resistentes aos golpes de facão que tentavam transpô-las. Essa mancha de floresta em recuperação continuou em nosso caminho até pouco antes de decidirmos parar. Se no início da caminhada percorremos três km em pouco mais de 1 hora, levamos o resto do dia para caminhar mais quatro km. Quando não eram as helicônias que atrasavam o nosso caminho eram alagados repletos de espinhos. É uma vegetação com pouca diversidade, o que parece afugentar os animais. Somente no início da viagem avistamos um cujubim, e depois nada mais vimos. Menos mal também, pois estamos sem espingarda para caçar, já que deixamos a que estávamos usando na comunidade Hatyanay. Para nossa segurança temos apenas o revólver que Guilherme carrega. No caminho também não avistamos nenhum sinal de invasão à TI.
No final da viagem Guilherme sentiu uma cãibra muito forte na perna, o que contribuiu para decidirmos parar pouco antes das 16h, na beira do igarapé que faz a divisa da TI Yanomami. Estamos a menos de 1 km da linha seca do limite da TI e a 17 km do nosso destino final.
"No início da noite Edgar e Timóteo saíram andando pelo igarapé que margeava o nosso acampamento de facão em punho, procurando peixes. Mataram pelo menos uma dúzia de traíras e um poraquê de mais de um metro de comprimento. As traíras foram ensopadas na hora mesmo e o poraquê foi deixado para o dia seguinte. Mais uma vez me surpreende a habilidade que os Yanomami têm de resolver questões somente com o que eles têm na mão. Não tínhamos espingarda, nem linha e anzol e mesmo assim tivemos uma refeição com carne fresca.
A série de expedições ao limite leste da TI Yanomami, iniciada em outubro do ano passado, e integrada pela Funai (Fundação Nacional do Índio), HAY (Hutukara Associação Yanomami), e ISA e agora pela Polícia Ambiental e pelo Bope tem o apoio da Fundação Rainforest da Noruega.
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Relato anterior (27 de setembro de 2013) > Um descanso merecido na comunidade de Hatyanay
Linha do Tempo da viagem com galeria de fotos e outras informações http://isa.to/1ag7MYF